Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 26 de maio de 2014

Abstenção: arma dos eleitores!


Nas eleições para o Parlamento europeu, em Portugal, dois terços dos eleitores inscritos não votaram, isto é, 65,34%... deixaram de exprimir a sua vontade eletiva.

Dizem que é uma forma de exprimir a sua discordância para com o que se está a passar… cá dentro e lá fora. Outros consideram que têm direito a não votar porque não se reveem no sistema político e muito menos nos seus executantes. Há ainda quem tenha outros interesses e não ligue às questões da política, seja ela qual for ou ainda a instância da sua captação.

Desde que pude votar nunca faltei. Votei sempre no mesmo campo ideológico e quase partidário… mesmo por ocasião das presidenciais. Claro vivi muitas derrotas e comparticipei em muitas vitórias. Causa-me, no entanto, fastio certos comentários e uns quantos comentadores… mas o botão de zapping logo me alivia para que não pragueje (nem que seja sozinho) perante avaliação de intelectuais com talas que condiciona a visão… cultural e emocional.

Tentemos desmontar algumas das razões dos abstencionistas, pois, apesar de tal se comportarem continuam a usufruir dos mesmos direitos, podendo contestar sob a capa do anonimato, gozando ou sofrendo com aquilo que é o estar comum ou sob a penumbra do dever não assumido… para com os outros concidadãos.

= Direito/dever… de cidadania

Mais do que uma escolha por simpatia – como há quem considere, sobretudo, nas eleições autárquicas – votar é escolher em função dos outros. E, nem quem se apresenta a ser votado, poderá sentir nisso algo mais que não seja uma forma de viver a aceitação de serviço aos outros. Claro que nem sempre é isso que vemos antes, durante e depois das votações. Isso mesmo se constata na hora da avaliação dos resultados: uns nunca perdem, outros tentam disfarçar as derrotas e outros confundem as instâncias em votação… tentando colher frutos daquilo que não foi plebiscitado… como podemos ver na noite do passado domingo, dia 25.

Ora, neste contexto, a abstenção como que se torna uma espécie de cancro da democracia, onde extirpá-lo poderá significar uma aposta na prevenção da doença e não um mero placebo sem consequências práticas. Com efeito, a raiz da abstenção pode estar na incompetência de tantos dos executantes da ‘sublime arte da política’, que a têm vindo a tornar quase uma reles profissão de oportunistas e carreiristas. Os ataques de malcriadez com que alguns se confrontam – particularmente através da comunicação social – levam as pessoas a rotular todos pela mesma medida… Repare-se como alguns – de áreas sociais, profissionais e intelectuais – combatem as regalias dos políticos mais correm para elas como esfomeados de longa duração… Senhores e senhoras, sejam dignos/as da confiança dos outros ou retirem-se de vez dos palcos e palanques de sedução… senão da ignorância!


= Cidadania com direitos e deveres

Por outro lado, temos de saber combater quem usa os lugares onde se apresenta com menos dignidade e coerência para que não se crie confusão nos eleitores e isso os possa desmotivar de ir votar. Com efeito, será credível apresentar-se à eleição quem contesta o projeto que pretende servir? Que diríamos de um candidato que deseje ser presidente de uma autarquia, mas o que pretende é acabar com ela? Ou ainda de um pretenso deputado cujo objetivo seria servir outro país que não aquele a que pertence?

Foi isto que, alguns candidatos, ao Parlamento europeu venderam: desfazer a Europa, os sinais da sua união e até tentando desmantelar a moeda que já é única numa boa parte dos países membros. De fato, as ideologias ofuscam a racionalidade de algumas pessoas… criando confusão e talvez abstenção. Com efeito, não se pode ter, ao mesmo tempo, o projeto e a sua falência social, económica e política! Haja sensatez intelectual!


A imensa multidão de abstencionistas pode ser rotulada de muitas coisas. Criem-se, no entanto, condições para que os eleitos tenham legitimidade mais garantida e faça-se dos eleitores cidadãos com direitos e deveres pessoais e sociais assumidos, garantidamente! A Europa da paz merece e agradece!...

    

António Sílvio Couto

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cultura do encontro: ouvir e aprender


«A cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber dos outros. Os mass-media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é dom de Deus» - diz o Papa Francisco na mensagem para o 48.º dia mundial das comunicações sociais, intitulada: ‘Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro’, que se celebra no dia 1 de junho.

Partindo de algumas frases da mensagem papal, apresentamos pequenos subsídios para leitura do texto.

= Da velocidade da informação à recuperação do sentido da escuta

«A velocidade da informação supera a nossa capacidade de reflexão e discernimento e não permite uma expressão equilibrada e correta de si mesmo… Devemos recuperar um certo sentido de pausa e de calma. Isto requer tempo e capacidade de fazer silêncio para escutar. Temos necessidade também de ser pacientes, se quisermos compreender aqueles que são diferentes de nós».

Urge aprender a não ter medo do silêncio, pois este também é (ou deve ser) linguagem de escuta. Não podemos continuar a sobrepor palavras e imagens que confundem a mensagem…mesmo a do Evangelho. Mais do que palavras e fatos este é uma Pessoa, a de Jesus de Nazaré.

= Quem comunica faz-se próximo

«Como pode a comunicação estar ao serviço de uma autêntica cultura do encontro? (…) Como se manifesta a ‘proximidade’ no uso dos meios de comunicação e no novo ambiente criado pelas tecnologias digitais? Encontro resposta na parábola do bom samaritano, que é também uma parábola do comunicador. Na verdade, quem comunica faz-se próximo… trata-se da minha capacidade de me fazer semelhante ao outro».

Quantas vezes sabemos tantas coisas ao longe e desconhecemos o que se passa ao pé de nós! Quantas vezes nos distanciamos dos que estão mesmo junto a nós! Quantas vezes, sob a capa duma aparente neutralidade, se cria uma máscara de indiferença! Quantas vezes podemos camuflar um certo desprezo com a falta de envolvimento de uns para com os outros!

= Igreja acidentada, comunicativa e missionária

«Entre uma Igreja que sai pela estrada e uma Igreja doente de autorreferencialidade, não hesito em preferir a primeira (…) Somos chamados a testemunhar uma Igreja que seja casa de todos. Seremos nós capazes de comunicar o rosto duma Igreja assim? A comunicação concorre para dar forma à vocação missionária de toda a Igreja, e as redes sociais são, hoje, um dos lugares onde viver esta vocação missionária de redescobrir a beleza da fé, a beleza do encontro com Cristo».

É verdade que a comunicação se faz agora, essencialmente, em rede e não de uma forma unívoca e do púlpito unidirecional. O próprio cartaz alusivo ao dia mundial das comunicações se intitula: uma rede de pessoas!

= Dialogar faz aprender e a caminhar com os outros

«É preciso saber inserir-se no diálogo com os homens e as mulheres de hoje, para compreender os seus anseios, dúvidas, esperanças e oferecer-lhes o Evangelho, isto é, Jesus Cristo. (…) Dialogar significa estar convencido de que o outro tem algo de bom para dizer, dar espaço ao seu ponto de vista, às suas propostas. Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas».

Depois de um certo dogmatismo (dito) religioso não podemos cair na absolutização relativista, onde cada um se sente dono da verdade… desde que seja a dele ou do seu grupo, se o tem! Somos cidadãos de uma nova galáxia, onde o ambiente digital é ferramenta e não pode ser confundido com a mensagem. Mesmo aqui o Evangelho continua a precisar de anunciadores credíveis porque fiáveis em Cristo e pela Igreja.
 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Critérios cristãos para as eleições europeias

«Numa visão realista do nosso Continente, dinamiza-nos a esperança de uma Europa melhor, em que seja salvaguardada a vida humana desde conceção até morte natural, em que o desemprego não pareça um mal inevitável mas um desafio a responder sem adiamentos, em que as fronteiras não se fechem à solidariedade com os povos maltratados política e economicamente, em que o diálogo inter-religioso e intercultural seja o caminho de sentido único para uma paz justa e duradoura, em que o capital não se arvore em governo autocrático mas sirva a pessoa humana e o bem comum».

Citamos um excerto do documento ‘Votar por uma Europa melhor’, da Conferência Episcopal Portuguesa, com data de 1 de maio passado. Tentaremos referir-nos a cada um dos itens apresentados como ‘critérios’ para a nossa votação, no próximo dia 25.

= Uma Europa em que seja salvaguardada a vida humana desde a conceção até à morte natural

Aqui se denunciam alguns dos erros recentemente cometidos nesta Europa (dita) democrática: o aborto, a eutanásia e tantos outros atentados à vida humana, seja ao nível do Estado, seja nos grupos e pessoas… onde se deu um real retrocesso do valor da vida humana e mesmo da ética sócio-familiar. Quantos sistemas ideológicos e lóbis de grupos anti-cristãos fizeram sucesso nos tempos mais recentes, contribuindo para o ‘inverno demográfico’ que a velha Europa está a sofrer e se irá agravar nas próximas décadas. Não basta clamar pelo (dito) Estado social é preciso saber quem o enterrou com essas políticas de anti-natalidade!
 

= Uma Europa em que o desemprego não pareça um mal inevitável mas um desafio a responder sem adiamentos

O flagelo do desemprego bem como da precariedade do mesmo criou 18% de vítimas entre os mais jovens. Já passou o tempo do emprego para toda a vida e até no mesmo ofício de forma estável. Quantas vezes se confundem possibilidades de emprego como necessidades de sobrevivência materiais. Quantas vezes o magro salário tem de servir para sustentar outros que estão a seu cuidado. Até a necessidade de emigrar pode não ser um fatalismo económico, mas uma possibilidade de crescimento humano e cultural. A intercomunhão de fés pode e deve atenuar as agruras das contingências humanas e até financeiras.

= Uma Europa em que as fronteiras não se fechem à solidariedade com os povos maltratados política e economicamente

O espaço europeu tem servido, em muitos casos, para remediar as lacunas – sobretudo económicas – de outros continentes e regiões. A cadeia de ‘fazer o que outros não querem’, tem servido para valorizar muito do trabalho na Europa. Que o digam os emigrantes lusos em terras de França, da Alemanha, da Suíça, da Bélgica, etc. No entanto, temos visto surgirem alguns chauvinismos para além dos Pireneus, criando apreensão sobre o desenrolar do projeto da União Europeia e mesmo da moeda única. Apesar de tudo o cristianismo e, em particular, o catolicismo, tem feito uma boa ajuda à moderação e ao enquadramento de muitos migrantes… Lampedusa, em Itália, é o exemplo mais flagrante para as vítimas de tentativa de acercar-se da Europa rica… ao menos na fachada!

 

= Uma Europa em que o diálogo inter-religioso e intercultural seja o caminho de sentido único para uma paz justa e duradoura

Já no século XXI ainda encontramos fanatismos numa razoável dose anti-cristã…alguns chamam-lhe mesmo ‘cristianofobia’, onde o tema dos crucifixos foi um paradigma em vários países… O laicismo da pretensa Constituição europeia faliu porque tentaram exorcizar os valores do Evangelho, subjugando-nos aos iluministas, laicos, maçónicos e, tendencialmente, republicanos e socialistas… A perseguição religiosa está na lei, embora não seja assumida na prática! 

= Uma Europa em que o capital não se arvore em governo autocrático mas sirva a pessoa humana e o bem comum

Depois do falhanço do coletivismo marxista e no rescaldo da implosão dalgum socialismo, o capitalismo – sem rosto nem cor partidária ou credo religioso – foi ganhando capitais e contraditórios… A social-democracia e a democracia cristã também capitularam, gerando-se uma nova onda de consumismo, onde a pessoa se tornou objeto e se coisificou a normalidade do dinheiro ganho… nem que seja em concurso televisivo ou promoção de grande superfície comercial… Bem comum sincero, a quanto obrigarias!

Temos de refletir e de escolher. Não votar é (ou pode ser) pecado grave. Obrigar a votar devia ser lei!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 6 de maio de 2014

Somos um povo malandro!


Há dias, no calor da vitória, um treinador de futebol, dizia na televisão: ‘somos [portugueses] um povo malandro’!... Ora, isto, dito em Itália, como que soava a uma espécie de provocação e/ou a retratação da nossa habilidade em saber fintar – muito para além da arte futebolística – as dificuldades da vida e de outros obstáculos mais ou menos conscientes… do nosso eu pessoal e coletivo.

Em muitas e diversas áreas nós, portugueses, temos sabido exercitar – umas vezes de forma mais clara, noutras de modo mais habilidoso – esta arte de suplantar as dificuldades. Há até quem nos admire a capacidade de desenrascanço, num misto de inteligência e de esperteza, conseguindo mesmo iludir a falta de meios, de recursos e de saberes.

À boa maneira portuguesa vamos tentando adiar questões, que, na hora da verdade, têm de ser resolvidas, mas que nem sempre se coadunam com a decisão de última hora e nessa nossa tão característica subtileza de não ficarmos mal, pois pode(re)mos cantar glória… depois de muita luta, suor e sangue.

Da economia à política, do desporto (e não é só no futebol) à cultura, na área do trabalho até às condições de sucesso, passando mesmo pelas expressões de fé e de religião… vivemos muito – talvez demasiado – do improviso, suplantando o que deveria ser assegurado com programação e planos de execução… com princípio, meio e fim.

= Seremos capazes de mudar?

Agora que temos de dar provas de que somos capazes de levar a cabo as tarefas de pagarmos os empréstimos que nos concederam, temos de ser mais sistemáticos na organização dos nossos projetos, conseguindo desfazer a impressão de não somos capazes. Com efeito, tendo nós, portugueses, por essa Europa fora, a fama de que somos bons trabalhadores – talvez dos melhores! – quando tudo está bem organizado, temos de demonstrar que não somos mais ‘esse povo que vive no noroeste da Península Ibérica, que não se governa nem se deixa governar’. Nós temos qualidades quase únicas no mundo, pois sabemos adaptar-nos às mais duras dificuldades e vencemos.

Já basta de sermos vistos por tantos outros povos e culturas de que não somos capazes de ultrapassar as barreiras que a própria língua nos condiciona, pois até somos dos povos que melhor aprendem as línguas dos outros e que somos capazes de vencer as barreiras da nossa condição de povo pequeno, pois temos uma grandeza que muitos outros não apresentam: normalmente um português faz pontes e raramente cria barreiras, antes promove o convívio e faz a alegria aparecer à volta de um batuque ou sob a sonoridade de uns ferrinhos e/ou umas castanholas.

Quantos emigrantes foram aprender – na diversidade das nações e culturas – a serem mais abertos para que depois possam trazer outra abertura de mente e de compreensão para com os seus conterrâneos. Por isso, não será em nada prejudicial que uma nova vaga de emigrantes tenha saído, pois trarão novas ideias e – sendo gente instruída e qualificada, segundo dizem! – saberá criar mais-valia para este nosso país tão necessitado de boas ideias e de capacidade de empreendimento coletivo. 

Pelo muito que temos feito em humanidade, nós, portugueses, precisamos de valorizar mais as nossas boas práticas de convivência e de trabalho, mesmo que os que por cá ficaram sejam ainda descendentes dos que não tiveram coragem de sair nas caravelas dos Descobrimentos. Basta de ‘velhos do Restelo’, pois desses já colhemos lições em excesso e, infelizmente, muitos deles continuam a pontificar nas fileiras de vários partidos políticos, nas assembleias de muitas organizações religiosas e até nas linhas e imagens de tanta comunicação social.

Pelo muito que fomos, pelo tanto que somos e pela enormidade do que podemos ser, precisamos de novos intérpretes para a nossa cultura, pois a visão ideológica de uns tantos não pode sobrepor-se à inovação que urge fazer acontecer. Portugal precisa, merece e conseguirá ser mais do que um ‘povo malandro’ nas conquistas do desporto ou nas diatribes malfadadas do politicamente estar contra…

 

António Sílvio Couto