Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 31 de julho de 2015

Como motivar à participação?


Temos visto e observado, temos ouvido e constatado, temos sentido e reconhecido, que se torna, hoje, muito difícil conseguir que as pessoas – seja qual for a instância em que se coloquem – tenham o salutar incómodo ou mesmo ‘inconveniente’ de irem a uma reunião, de saírem do ‘conforto’ da sua quietude para fazerem parte de algo que lhe ocupe o tempo… desde que isso não lhes traga algum proveito económico ou social.
Que o digam as formações partidárias… mesmo em maré de campanha eleitoral! Que o refiram as associações culturais ou recreativas, desportivas ou mesmo de benemerência… mesmo em épocas de vitória! Que o digam os setores económicos (profissionais ou sindicais), quando não conseguem – como noutros tempos! – cativar e mobilizar para manifestações ou mesmo a contestação! Que o possam reconhecer – com humildade e sem falsos temores em fugir à verdade – as ações e vivências da Igreja católica… quando se contentam agora em contar por dezenas o que antes eram centenas ou até milhares!

= Para quem tenta andar neste mundo a interpretar ‘os sinais dos tempos’, urge colocar com serenidade questões que nos ajudem a discernir quais as (possíveis) causas para termos chegado a esta situação, bem como irmos tateando novas soluções que nos possam fazer descobrir como poderemos deixar-nos de ficar nesta lamúria coletiva e ansiosa…

= Vivemos, efetiva e afetivamente, numa crescente sociedade egoísta, feita de pequenos sinais mais ou menos capciosos ou um tanto assumidos. Veja-se a cultura do ‘filho único’, onde cada rebento é ‘rei’ e faz com que os outros – desde a mais tenra idade – lhe prestem ‘culto’, pois tudo tem – às vezes até sem o solicitar – e com facilidade se acha no direito de exigir bastante e, normalmente, com pouco para repartir… Haverá exceções… mas são raras ou muito poucas!

= Há diversos e pequenos indícios de que muita gente corre por algum interesse – intentado, camuflado ou mais explícito – para se sentir à proa da embarcação, mas que rapidamente foge para a popa, quando a intempérie surge e as ondas investem contra os seus intentos e objetivos… Em quantos campos vemos ‘heróis’ na hora da vitória, mas que se acobardam quando era preciso participar e fazer a sua parte… ao menos por gratidão e dignidade.

= De facto, não será com pessoas desta jaez que iremos conduzir as nossas coletividades, associações ou mesmo instituições de quem se esperava que houvesse uma mentalidade altruísta e de serviço aos outros… Poderão ser muitos/as desses/as que fazem com que os mais válidos e prestáveis se vão afastando, ficando como que um certo ‘resto’ que nada faz nem deixa fazer quem ainda se interessa… Efetivamente, longe vai o tempo em que encontrávamos pessoas dedicadas por causas, sem olhar a quem serviam, pois, muitas dessas pessoas tinham em vista o Bem maior de servir a Deus e não se entretinham com os entretantos das quezílias mundanas… Agora vemos que se tem vindo a inverter aquela escala de valores e de servidores.

= Ousamos, por isso, propor breves propostas para que se possa motivar a participação… na vida cívica, social, associativa e mesmo eclesial:
- Antes de colocar alguém a mandar será preciso saber se essas pessoas são boas para serem mandadas… dentro do ditado popular: não peças a quem pediu nem sirvas a quem serviu!
- Antes de colocar a conduzir outras pessoas será preciso perceber que tal ‘chefe’ não tenha traumas nem ressentimentos contra outros que antes foram servidores!
- No exercício de motivação para as iniciativas (menores ou maiores) será preciso compreender como esse/a que conduz sabe lidar amadurecidamente com o insucesso, dando soluções e não criando mais problemas!
- Quem tem de conduzir um processo terá de saber aonde quer chegar e não ficar tropeçado nas dificuldades, mas estas poderão e deverão ser degraus para a caminhada… rumo à meta a atingir com humildade e confiança em si e nos outros.

António Sílvio Couto

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Termos ‘religiosos’ na política


Apesar da maioria dos praticantes da vida política se dizer distante – senão mesmo avessa – da vida religiosa (seja qual for a denominação ou até a expressão), de vez em quando alguns caem na tentação de se servirem de conceitos, de termos e de ideias de âmbito religioso, particularmente de incidência cristã.

Ainda no recente debate – pareceu mais luta em ringue – do ‘estado da Nação’, houve quem trouxesse à liça termos como: os sete pecados mortais, as dez pragas e outros saídos do vocabulário mais ou menos enfezado (isto é, com algo a ver com ‘fé’) dos assessores, consultores ou fazedores de opinião…

Há, no entanto, uma palavra que é recorrente nas múltiplas e abundantes acusações, que uns contra outros vão esgrimindo: ‘hipocrisia’ (substantivo, adjetivo, interjeição, etc.)… para classificar a forma errante com que cada adversário avalia o desempenho alheio, querendo com isso, muitas vezes, acusar a incongruência, elogiando a auto folha de serviços… sempre melhor do que a dos outros, depreciando as suas capacidades de atores!

= Daquilo que se vai sabendo – cada um fala do que deseja para que os adversários possam vir a sair desfavorecidos – há grupos partidários onde a luta por um lugar a candidato a deputado tem revestido lutas de fações, onde até a vertente religiosa de cada um tem servido para arremessar contra os outros pretendentes ao posto. Nalguns casos há acusações de teor bem mais maquiavélico do que seria desejável em ‘famílias’ (ditas) da mesma coloração. Ao que parece, alguns cristãos um tanto praticantes e certas fações da maçonaria têm vivido e protagonizado alguma refrega…embora surja ao público como guerrilhas de setores conotados com anteriores ou atuais dirigentes!

 = É notório em certas regiões do país alguma colaboração entre as entidades públicas e os setores da Igreja católica. Parece que, aonde ainda se possam verificar laivos de cristandade, certas forças partidárias/ideológicas – nalguns casos com prática religiosa de circunstância – têm receio de viver tal (boa) harmonia… mas, nalgumas situações, pelo contrário, criam mal-estar e até conflitos. Coisa bem diferente ao sul do Tejo, onde muitos autarcas têm outra atitude – normalmente respeitosa e autónoma – com distanciamento e diálogo… Tal como já referimos noutra ocasião, só esperamos que a tal prenda de Evo Morales ao Papa Francisco, na recente visita apostólica deste à Bolívia, não seja seguida na forma nem no jeito!

= Já devia ter sido banido do pensamento e, sobretudo, do comportamento de muitos responsáveis (dentro e fora da Igreja católica) este cliché que pretendia dizer: ‘a Igreja não se deve meter na política’! Com efeito, ‘política’ é toda a ação cívica em favor da cidade (polis) e que tem de envolver tudo e todos. Bem diferente será essa outra tentativa ou tentação de intervir ou de pactuar com as coisas de âmbito partidário, pois só iríamos criar fraturas e pouco faríamos em favor dos outros. Com efeito, o compromisso com a construção da cidade terrena é algo marcante, desde as origens do cristianismo. Fazer o contrário – alhear-se da vivência com os outros – poderá ser mais um pecado social grave, pois as omissões são tanto ou mais pecados do que os erros feitos. Ter as mãos limpas de nada fazer será muito pior do que sujá-las mesmo com o (possível) risco de errar!

= Nada há de mais sublime do que comprometer-se em favor dos outros, pois eles são a presença mais visível de Deus para nós e connosco. Numa época em que vão surgindo ‘espiritualidades’ de alienação, torna-se essencial criar sinergias de boas vontades para que possamos viver radicalmente todas (as catorze) obras de misericórdia… Em todas elas estamos a considerar o mistério da encarnação como a mais sublime vivência do amor de Deus feito próximo, desde fonte até à meta da caminhada… O Deus em quem cremos faz-nos ver o irmão com quem convivemos. Por isso, o desprezo não poderá ser o fermento da conduta de qualquer cristão… Há raízes de maldade que também podem florescer por breve tempo, mas não passam de engano… assim na Terra como para o Céu. A quem interessa a promoção de certas ‘espiritualidades’, se não fazem abrir à conversão a Deus nos outros? Religião ou política assim, não, obrigado!      

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Viver da ‘imagem’, como?


É recorrente não processo de comunicação dos nossos dias – direta, promovida ou produzida – vermos muitas pessoas a viverem desse conceito algo complexo da ‘imagem’, seja a que se vê, a que os ouros vêm, a que se pretende mostrar ou ainda a que se gostaria de apresentar… forjada, desejada ou mesmo a que se serve dos outros para se fazer vingar…nem que mais não seja na referência ao aceitável, plausível ou ao mais ou menos desejável.

Por este tempo de veraneio e/ou no lazer, que muitas vezes lhe está adstrito, há quem pretenda mostrar uma silhueta atraente, fazendo da coloração capilar um enfeite ou da tez uma amostragem de ‘moda’… ao menos na casca do captável à vista desarmada.

Quantas imagens de louras e de oxigenadas, vão surgindo nas fotos e nas revistas ‘cor-de-rosa’ ou nessa tal ‘literatura amarela’ – uma espécie de sucedânea das ridicularizações de outras épocas – sem deixarmos de ter em conta as campanhas de vernizes e de unhas-de-gel… ao sabor das intempéries emocionais e das invenções da vaidade, da conveniência e da promoção – quantas vezes – ao ridículo mais ou menos ousado na forma e sem conteúdo… mas descontextualizados do serviço aos pobres e à função de comunhão… dentro e fora de portas das Igrejas!

Num tempo que valoriza tanto a ‘imagem’ como que se torna indisfarçável que aquilo que se pretende mostrar nem sempre corresponde à essência, mas antes serve a aparência, tentando com isso apanhar incautos, tanto na primeira impressão, como no cultivo dos momentos posteriores. Quem não foi já enganado pela fachada, desiludindo-se com a convivência? Quem não terá sentido que encontrou alguém com ‘nível’ e facilmente percebeu o engano e uma (quase) fraude? Quem não se ficou pela ramagem e, depois, percebeu a ausência de frutos?    

= Imagens falam… sinais revelam!

Como valeria a pena a tantas das modas (femininas ou mesmo masculinas) rever o que diz a Sagrada Escritura sobre o uso de adereços de arranjo. Como seria útil não perder de vista que a simplicidade – muitas das vezes até como desmontagem de certos comportamentos mundanos – é o mais eficaz teste de caminhada… espiritual e cristã. Como haveria mais verdade de vida e de comportamento, se certos odores e perfumes fossem caldeados com a limpeza psicológica e da alma, não se deixando camuflar com o recurso à religião ou com um certo afã de vestimentas de irmandade nem sempre condizentes e atualizadas com o corpo do propósito.

Até poderíamos ainda acrescentar uma espécie de coleção de propostas acumuladas, onde se quer dar uma boa impressão ao Céu, no entanto, se vai fazendo o inferno (ou pelo menos o purgatório) aos que têm de viver e de conviver com essas pessoas… nas paróquias ou flutuando fora delas. Há situações que confundem, mas que o tempo (por vezes muito breve) se encarrega de esclarecer, pondo a descoberto vontades e intenções! Não se consegue enganar sempre!

= Sinais falam… imagens revelam!

Tal como dizia São Paulo: tudo me é permitido, mas nem tudo me é lícito! Assim poderemos considerar que os sinais da vida são – para quem assim o entender – a melhor escola de aprendizagem, pois nada nem ninguém aparece na nossa vida sem que Deus o permita…Não há acasos, tanto no tempo como na forma. O problema será quando, na velocidade com que pensamos viver, não conseguimos discernir a profundidade dos tempos e dos momentos…onde as pessoas são os principais atores.

Como deixaríamos de viver numa certa banalidade da existência, se fossemos capazes de tentarmos entender as coisas agradáveis e as menos boas. Como seríamos mais sobrenaturais se, em cada fase da nossa vida, tivéssemos tempo para avaliar até as agruras do nosso dia-a-dia. É aqui que se vai construindo – ou até desmoronando – o edifício da nossa identidade pessoal, pessoal e social/eclesial. Será, quando, nos soubermos expostos à imagem autêntica de Deus, que descobriremos quem somos, o que andamos aqui a fazer e para onde caminhamos, de verdade… O resto soa a oco e falso!


António Sílvio Couto

terça-feira, 14 de julho de 2015

Liberdade ou segurança?




Estes dois fundamentais aspetos da nossa vida pessoal e social estão em constante tensão, pois para termos segurança poderemos ter de prescindir dalguma liberdade e para que esta seja vivida na sua plenitude poderemos fazer perigar aquela. Por isso, liberdade e segurança são como que dois polos hipersensíveis da nossa vida social e pessoal...mesmo sem disso nos darmos sempre conta.

Isto será tanto mais percetível quando nos vemos algo de alguma intrusão no computador pessoal – já nem me pronuncio sobre as tentativas a que podem estar sujeitos os das empresas, das forças de segurança ou do Estado – e, de repente vemos alguém a usar a nossa identidade e a solicitar dinheiro em nosso nome...numa hipotética situação de aflição, sobretudo, se for no (pretenso) estrangeiro. Isto aconteceu-me no passado dia 13 de julho com uma usurpação de identidade de alguém – umas vezes no masculino, outras no feminino – criando um cenário para extorquir um certo montante a colocar através de uma entidade bancária... internacional. Dezenas de contatos, que tinha no meu computador – uns do livro de endereços e outros apanhados nalgum momento de comunicação – receberam um tal pedido de ‘ajuda’...Foi um corrupio na manhã dessa segunda-feira...até ser apanhado o filão donde provinha aquela ameaça, enquanto tentava proteger novamente o computador...Foram horas e dezenas de chamadas recebidas a tentar saber da veracidade do caso. Humildemente agradeço todas as atenções dispensadas!

Trago a público esta situação – talvez pareça ridícula e inocente para alguns entendidos – numa partilha de preocupação sobre a vulnerabilidade dos instrumentos com que comunicamos, da sensibilidade com que podemos ser alvo de má-fé ou mesmo como recurso a denunciar quem tal fez para que possa perceber que podem meter-me medo, mas não me atemorizam...Uma coisa é condicionarem, outra bem diferente será invadir a privacidade e o modo de ser e de estar!

= Liberdade – tê-la ou protegê-la?

A marca mais séria da nossa vida é a da liberdade, seja no foro interno, seja na dimensão externa...para connosco mesmos ou para com os outros. Com efeito, liberdade não é sinónimo de fazer o que se quer, mas querer fazer o que se pode e deve. Ora, isso nem sempre é fácil de viver nem de saber estar em cada instante, pois a liberdade exprime-se de muitas e variadas formas, algumas das quais que nem os grilhões podem coartar. Que o digam os santos e mártires em nome da fé: eram livres porque servidores do Senhor das suas vidas, a Quem tinham dado tudo e já nada lhes restava de si mesmos.

Nos (ditos) ‘quarenta anos de democracia’ temos visto muitos para quem a liberdade é o que eles pensam e, na melhor das hipóteses, o que pensam os seus correligionários. Quem pensa ou se exprime de forma diferente da deles já pode ser um perigo para a liberdade! Desta forma se pode explicar o estado atávico em que vivemos como país, na dimensão política e até na cidadania...Não há donos da liberdade ou, então, esta será arma de arremesso para adversários e competidores! Liberdade é, antes de tudo, respeito pela diferença e do modo de ser, de pensar e agir alheios.

= Segurança: como defendê-la?

Nos tempos mais recentes temos visto vários locais públicos – ruas, estradas, espaços de diversão, serviços de atendimento, etc. – sob câmaras de vigilância... Tudo – segundo dizem – sob a tutela das entidades de proteção de dados e em vista das (pretensas) condições de segurança mínimas. Uma certa febre securitária invadiu os países ocidentais, sobretudo após vários atentados terroristas em diversos países. Em nome da segurança tornou-se (quase) tácita a aceitação do reforço das medidas de segurança. Mas isso trouxe-nos mais serenidade e confiança uns nos outros? Estamos seguros ou vivemos mais preocupados?

Temos de cultivar a boa vizinhança, pois está dá e fomenta segurança. Temos de encontrar meios de segurança onde o medo possa ser expulso das relações humanas. Temos de querer segurança para os outros e a nossa estará garantida. A segurança nasce da paz, sobretudo, do coração!
 

António Sílvio Couto

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Evo, aquela prenda!


 
Na visita do Papa à Bolívia, o presidente, Evo Morales, ofereceu uma prenda em que estava representado o símbolo político da foicinha e do martelo, tendo uma figura de Cristo no cabo do mesmo...Nas fotos vemos a apreensão de Francisco e um certo regozijo do anfitrião na oferta.

Soube-se depois que aquela prenda não era previamente do conhecimento do Vaticano...o que causou algum embaraço não só pela surpresa como pela ‘provocação’.

Intitulamos este texto: ‘Evo, aquela prenda’ para nos referirmos à atitude do presidente marxista/populista Morales, mas também para fazermos notar que aquilo foi mais uma prenda, isto é, algo em que o ofertante se quis prolongar no oferecido do que um presente que teria em conta a pessoa a quem se oferece.  

Na linguagem popular dizer que alguém ‘nos saiu uma prenda’ também que fazer notar que os fatos levam a que essa pessoa se vai tornando já uma espécie de figura com gestos e atitudes mais ou menos controversos, destoando do geral...à sua maneira...embora criando uma certa leitura mais ou menos caricata.

Retomando o possível significado da oferta de Evo Morales ao Papa, aquela seria uma réplica da que foi feita por um padre jesuíta, Luís Espinal, que foi assassinado pela ditadura militar, em 1980.

= Mesmo que de forma breve poderemos colocar algumas questões sobre aquela peça oferecida ou mesmo sobre outras implicações e leituras do gesto...em sentido lato e estrito:

- Será que a cruz se conjuga com aqueles símbolos do comunismo?

- Não se deveria respeitar a memória de tantos cristãos que foram mortos pelos regimes marxistas (seja qual for a latitude ou a expressão política) em razão da sua fé?

- Será que, por o Papa ser de origem latino-americana, se pode tentar fazer dele uma espécie de emblema político duns tantos interesses populistas?

- Não há quem diga a certos senhores, no poder ou fora dele, que o respeito deve ser recíproco?

- Até quando teremos de aturar alguma sobranceria de certas forças (ditas) progressistas, que se acham donos e senhores das questões sociais e que manipulam a defesa dos mais pobres?

- Poderemos ter a certeza de que, se num assunto fosse doutra ordem e com outros adereços, os (pretensos) democratas não reagiram com vitupérios e acusações de não-democracia?

- Até onde irá a continuação do episódio ‘do crucifixo no martelo e foicinha’ a ser explorado, aproveitado ou difundido por alguma comunicação social...mais ou menos socializante?

= Embora nos – cristãos e marxistas – possamos encontrar no terreno na defesa dos mais pobres e desfavorecidos, não podemos confundir os princípios que nos norteiam: uns lutamos pela paz e pela concórdia, a partir do interior e dos valores éticos e do Evangelho; outros tentam impor pela força – nalguns casos até sob a pressão da violência e do ódio – as regras de conduta e as formas de política...democrática.

Num tempo ávido de sinais de concórdia, aquela prenda de Evo Morales parece não servir de bom augúrio para certas regiões da Terra...particularmente os perseguidos por causa da sua fé e no testemunho de luta pelos valores humanistas e humanitários.

= Diz o povo e com razão: se queres ser respeitado, tens de respeitar! Ora, nem sempre vemos esse respeito...por tantos paladinos da liberdade e da democracia. Atendamos ainda que, se a moda pega cá pela zona, vamos ter surpresas menos boas: em certas sessões poderemos receber réplicas da prenda de Morales...Assim não sejam influenciados por um populismo tão barato e maldoso.

Em jeito de caricatura: não há como recuperar as figuras de Pepone e de D. Camilo... aí, sim, diálogo era frontalidade, ironia e convívio... Volte esse tempo, já!

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Aprendendo a esquecer


Dizem que é uma das mais salutares capacidades da pessoa humana: a arte de saber esquecer...sobretudo aquilo que em nós (e na nossa história) foi mais difícil e/ou desagradável.

Certamente que todos tivemos (ou temos) episódios que nos marcaram: dos positivos temos mais memória do que dos menos bons ou até negativos. Tudo isso parece que é salutar, pois não ficamos tropeçados só (nem essencialmente) nas mágoas, mas vamos ultrapassando tudo isso, olhando o futuro com novos olhos e renovada esperança.

= Seja qual for a vivência – segundo a idade, a experiência ou até a convivência – de cada um de nós, há sempre alguém que nos influenciou, marcou e criou maior ou menor empatia (mesmo nos derivados de simpatia, antipatia ou mesmo alergia) onde quer que nos encontremos. Quem não recorda, desde a infância ou na idade adulta, alguém que teve (ou tem) importância e significado de referência?

= Nos diferentes círculos (interligados e complementares) em que ‘vivemos, nos movemos e existimos’, encontramos pessoas que podem ser-nos mais ou menos próximas, seja pela convivência, seja pelo contato profissional ou social...De facto, ninguém entra na nossa vida por acaso, mas antes com razões...embora podendo necessitar de explicação. Se o podemos dizer ao nível humano, mais o poderemos considerar na dimensão psicológica e/ou espiritual...atendendo às boas ou más recordações.

= Dependerá muito da personalidade de cada um sermos ou não ‘apegados’ às lembranças e memórias mais ou menos negativas do nosso passado. Com efeito, há quem viva fixado mais nos momentos dramáticos e trágicos que viveu. Há quem viva amarrado mais à tristeza do que aos momentos de alegria. Há quem cultive – mesmo sem ser totalmente de forma doentia – os aspetos de dor e sofrimento bem menos do que as situações benéficas e agradáveis.

= Na interligação do nosso viver quotidiano como que somos confrontados com múltiplos acontecimentos que nos fazem crescer pela dificuldade com que os enfrentamos. Quem não saiu fortalecido duma situação de contrariedade e não aprendeu a crescer em maior maturidade e com mais firmeza? Quem não venceu, pela humildade e a perseverança, algo que na hora da provação foi duro e problemático? Quem não teve de reunir as suas forças humanas, psicológicas e espirituais para saber interpretar certos momentos de provação?

= Numa espécie de cultura do ressentimento e da vingança como que se torna benéfico ter capacidade de esquecimento, na medida em que a memória se liberta das amarras da nossa importância exagerada sobre o que somos ou pensamos ser. Quantas vezes precisamos de questionar-nos à luz da suposição: ‘por quem é que eu me tomo?’ Quantas vezes uma razoável dose de humilhação poderá servir-nos para nos colocar no devido lugar, caindo do pedestal da petulância! Em quantos momentos as lágrimas sorvidas no silêncio podem ser mais altissonantes do que as palavras inflamadas da denúncia e da reclamação!

= Como nos disse o Papa Bento XVI, aquando da sua visita a Fátima, há muita gente que tem as mãos limpas de não ter feito nada. Com efeito, só quando soubermos viver e entregar à misericórdia de Deus as nossas faltas e à compaixão divina as falhas dos outros é que poderemos viver num esquecimento aprendido na escola do seguimento de Jesus, pois Ele tudo fez sem nada esperar em troca...nem sequer o mais leve agradecimento. De facto, a taxa dos esquecidos é muito maior do que a dos imprescindíveis. Assim nós soubéssemos viver aprendendo a esquecer-nos de que somos imprescindíveis...agora ou mais tarde!

 = Não será o esquecimento (daquilo que nos fizeram) uma espécie de perdão de sabor mais divino do que humano?

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Família: santuário da misericórdia


Tomamos este título da realização recente do encontro diocesano de um movimento da Igreja católica, na diocese de Setúbal.

Mais do que um slogan, este tema pode e deve levar-nos a refletir sobre a família, a misericórdia e a sua vivência numa atitude de santificação.

Tentaremos abordar esta problemática tendo em conta, essencialmente, a nossa raiz judaico-cristã, discernindo, por entre tantos sinais de interpretação contrária, o que a família pode ser, sabendo que há cada vez mais pessoas feridas na sua vivência mais simples e cujas mágoas se estendem a situações mais ou menos mal resolvidas, senão mesmo adiadas ou ofendidas...dentro e fora de portas.

Como alguém dizia: uma família começa a construir-se três gerações antes de efetivamente os cônjuges se matrimoniarem – dizemo-lo ainda num conceito religioso – e a vermos pelos factos que por agora ocorrem, a família já está em crise desde há muito tempo...

= Família: o que é, o que foi ou o que deve ser?

Poder-se-á dizer que nenhuma outra instituição humana está tão sob fogo do que a família, sobretudo atendendo a uma certa noção que ainda vamos tendo na memória.

À (dita) família tradicional surgem hoje muitas de diversas sugestões de família. Percorramos algumas das modalidades: família nuclear (pai, mãe e filhos... normalmente agora no singular), família alargada (onde se envolve para além da conjugalidade, a conexão com ascendentes e descendentes), monoparentais, disfuncionais (destruturadas), reconstruídas...singulares, homoafetivas, etc.

Sobre a família deixou da haver consenso, seja de forma e quase de conteúdo, pois, muitas vezes, cada um fala daquilo que viveu – mal ou bem – e cria uma ilusão sobre aquilo que gostaria de conseguir, ao menos como suplência do não-vivido, mas onde o que transporta é a experiência do já vivido...Assim corremos o risco de dizer o que a família é, à luz do que vivemos e de querermos ter o que não conseguimos viver.

= Casa: lar, refúgio ou santuário?

Cada um de nós tem a experiência da sua casa, onde aprendeu com o pai e com a mãe a ser homem ou mulher, vendo neles as referências humanas, afetivas e morais. Por isso, a casa onde cada um de nós nasceu, viveu e/ou foi educado deixou marcas indeléveis para a nossa vida. Também nestes aspetos as envolvências cénicas nos influenciaram. Com efeito, se fomos educados com a presença (ou ausência) de sinais (ditos) religiosos, isso faz de nós pessoas com alguma sensibilidade (ou não) às dimensões da crença, da fé e mesmo do cristianismo.

Falar da família como ‘santuário’ como que pode desencadear na nossa memória efeitos de respeito, de oração, de prática religiosa e mesmo como espaço onde se aprendeu a conviver com o mistério dos outros: pai ou mãe, os irmãos, os vizinhos, a natureza (animais, plantas, e minerais), numa conjugação entre todos e os demais.

= Família – santuário de misericórdia: como?

Será, então, na família onde todos se cuidam e se deixam cuidar, se amam e se deixam amar, se acolhem e se deixam acolher, se perdoam e são perdoados que poderemos encontrar a resposta a este desafio: ser e viver a misericórdia na família.

Com tantas pessoas feridas nas experiências de família, esta poderá ser ainda hoje espaço de misericórdia dada e recebida? Como incluir os elementos dispersos e enquadrar os cacos esfrangalhados? Como envolver os marginalizados e ajustar os marginais? Como curar as feridas e sarar as mazelas mais profundas? Como fazer de cada lar um espaço de partilha e não, de forma ocasional, um tempo de mesa à pressa?

Temos todos uma tarefa de grande valor e de enorme esforço. Queira Deus que nos ajudemos a olhar o futuro com esperança, confiança e coragem!
 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Gregos ou romanos? Não, lusitanos!


Apesar da estória que se conta, no tempo da colonização romana, em que se dizia que no noroeste da Península Ibérica havia um povo não se sabia governar nem se deixava governar, parece que, por estes dias, o centro da acusação mudou para o mar mediterrâneo, nessa cultura que se diz fundadora da (pretensa) democracia...antiga.

De facto, a caixa de Pandora em que converteu a política – lá no berço da mesma – na Helénia, está a revelar-se e a revelar-nos como nem tudo o que parece é e que, como refere o adágio popular, ‘casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão’.

= Bastaram menos de seis meses – as eleições gregas foram no último domingo de janeiro passado – para tudo estar em pantanas, seja ao nível económico, seja na vertente social e humana. Até os panegiricadores da solução do Syrisa agora engolem em seco a saliva dos elogios, então proferidos, altissonantes e rasgados... Que dizer mais ainda da romaria de tributo ao (apelidado) rebelde grego? Mesmo do nosso pequeno país se ergueram tantos e tais encómios de sucesso que os fautores de tais episódios e façanhas rapidamente caíram nas intenções de voto...cá por casa!

= Nesta intercomunicação de interesses e de resultados como que começamos a entender que não basta tentar recolher frutos daquilo que uns tantos contestatários quiseram promover porque a onda vai e volta, enrolando os mais incautos, seja porque não têm ideias e se colam ao barulho do ‘deita-abaixo’, seja porque mais do que nunca se descobre muito depressa a mentira e as tentativas de manipulação...

= Nem as diatribes do enclausurado ‘44’ conseguem atrair a atenção às propostas dos seus correligionários, que, por estes tempos, têm evitado fazê-lo conivente das matérias em apreço no próximo ato eleitoral... Os figurantes não mudaram tanto quanto seria desejável, no entanto, o palco continua a ser o mesmo – senão na forma ao menos no conteúdo – numa ilusão de que o povo não tenha memória suficiente para repetir os ingredientes do fracasso (quasi) anunciado...antes e no futuro!

= O problema parece continuar a ser o mesmo de sempre: a cintura urbana de Lisboa – agora até já a pretendem estender, comercialmente, à margem sul como ‘Lisbon south bay’ (envolvendo Almada, Barreiro e Seixal) – tem peso eleitoral, mas não faz automaticamente pender a inteligência dos eleitores à custa dos desfiles pré-pagos (de reformados, pensionistas e afins) e às iniciativas de marchas só pela contestação... Embora se pretenda mais ou menos instruída (ou será antes escolarizada?), esta faixa da população olha com alguma sobranceria o resto do país...à exceção de quando vai ‘à terra’ por ocasião dos momentos tradicionais!

= De facto, estes lusitanos envernizados de civilização ainda pensam que não precisam de chuva – quando esta surge logo clamam do ‘mau tempo’ – pois recebem os frutos da terra em embalagens de supermercado sem grande trabalho ou com pouco esforço, antes reclamando só dos custos, mesmo que não saibam do esforço de tantos outros para ter usufruírem de tais regalias citadinas.

= Recordo essa observação à capacidade dos portugueses – escassos meses e/ou breves anos – após a implantação da democracia, que, diziam os autores, discutiam política como se fossem italianos, onde o regime democrático já tinha décadas...Sabíamos muito e dominávamos quase nada!

= É verdade somos de fácil adaptação e de muito rápida acomodação, mas o miolo da nossa evolução cultural está cru de convicções e enquistado de motivações. Por isso, todo este questionamento na Grécia deve-nos fazer pensar sobre a nossa identidade mais profunda, sem nos deixarmos manipular por interesses que (até) já foram vencidos ao final da década de 80...com a queda do muro de Berlim! A mentira vingará, sempre?      
  

António Sílvio Couto (asilviocouto@gmail.com)