Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Numa atitude de drone…


Nos tempos mais recentes foi introduzido, entre muitos artefactos de controlo e de (possível) invasão da privacidade – nesse tal equilíbrio entre liberdade e segurança… tão difíceis de conjugar e de viver – um tal novo adereço a que se dá o nome de ‘drone’… isto é, uma espécie de pequeno avião não tripulado, mas com câmaras de imagem suscetíveis de fornecer informações a longa distância…

Não nos vamos pronunciar sobre o uso ou mesmo abuso de drones na intromissão da vida privada de nada nem de ninguém, mas antes queremos colocar-nos numa atitude de visão em drone, isto é, numa visão que se coloca acima das voragens e das intrigas de tantas das pessoas com que temos de conviver.

= ‘Voar como drone’ quer tão simplesmente dizer que, por vezes, é preciso elevar-se acima da vulgaridade de tantas mentes e perante certos comportamentos demasiado rasteiros ou mesmo rastejantes.

Cito de memória uma frase de São José Maria Escrivá: se podes voar como ave de rapina, não voes como ave de capoeira!

De fato, há muitas pessoas, cujos horizontes são poucos elevados, seja na dimensão da capacidade, seja na prossecução dos objetivos de vida… e que que tentam derrotar os que lhes fazem mais ou menos obstáculo ou sombra. Quantos e quantas se entretêm a dizer mal dos outros porque não conseguem atingir o que esses tantos conseguiram. Muitas das conversas de café e/ou de telefone são para criticar o que outros/as conseguiram e como que fazem sombra ou ofuscam a mediocridade dos maldizentes…

= Tenho por princípio – sem falsa humildade nem tão pouco sobranceria – que, enquanto falarem de mim (mal, menos bem ou por descuido algum bem), não se ocuparão de outros – deixando, deste modo espaço e oportunidade para que possa, quem maldiga, aprender a perceber que, com essas armas, não se consegue atingir senão os calcanhares de quem dizem mal!

Muito mal iria o nosso mundo se tivéssemos de andar ao ritmo daquilo – tanto no modo como no conteúdo e condicionando a forma – com que nos julgam. Seríamos como que joguetes de interesses alheios e andaríamos ao sabor daquilo que diziam (ou dizem) de nós.

Ninguém está acima de qualquer crítica (positiva ou negativa), mas reger-se por tal critério de maior ou menor aprovação como que seria um condicionamento aviltante e possivelmente vergonhoso.

= Da experiência de subir um pouco acima do espaço (físico ou psicológico) em que nos movemos é e será sempre salutar ao menos para que mais não seja pelo exercício de subir da vulgaridade, criando uma visão de conjunto em situações onde o mergulhar na competição (direta e subjetiva) pode ofuscar a capacidade de discernimento pessoal e alheio. Elevar-se a um patamar de razoabilidade como que nos faz perceber que certas lutas afunilam a nossa capacidade de avaliação e de moderação… racional e mesmo emocional.

= Nos tempos mais recentes tenho procurado abstrair de certas querelas e dalgumas questiúnculas – possivelmente muito importantes para quem nelas se empenha – até mesmo no âmbito do trato com as pessoas e, sobretudo, naquilo que envolve visões muito religiosas. Explicando: há coisas de religião – nem sempre tendo os critérios de cristianismo e muito menos dos valores do Evangelho – que nos podem condicionar as leituras dos factos e das personagens, isto é, quando os sinais de Deus são encobertos pelas sinaléticas humanas e/ou mundanas. Deste modo tomar uma atitude de drone como que (nos) faz relativizar posições inflamadas e enquadrá-las naquilo em ‘vale pelo que vale’ e ‘serve para aquilo que serve’…

Se soubermos discernir segundo critérios verdadeiramente espirituais muitas das coisas tão esquisitas em nós e à nossa volta, tornar-se-ão menos complicadas e terão o valor que têm… nem mais nem menos!

= Numa palavra: o drone é um meio, não um fim. Por isso, saber usá-lo não pode ser desculpa para abordagens menos sérias e tão pouco menos sinceras… De drone nos havemos de entender com bom senso e prudência, já e por agora!       

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Pelos mundos da fantasia!



Não é só em certas épocas do ano (Natal, carnaval, romarias e festas) que a ‘fantasia’ tem lugar de honra. Há pessoas que vivem em fantasia de forma quase permanente… Se há fantasias que são convenientes e saudáveis, corretas e aceitáveis; outras há que são perniciosas e, nalguns casos, pecaminosas… atendendo a que podem ofender a dignidade da própria pessoa e/ou a honradez dos outros.

Muitas das fantasias funcionam como se fossem uma projeção do mundo interior do sujeito e que falam mais pelo que dão a entender do que por aquilo que é dito, é feito ou mesmo é manifestado… direta ou inconscientemente.

Quantas versões de poesia manifestam o mundo de fantasia com que o autor reveste a sua linguagem para que tentem descobrir o que ele nos queria dizer! Quantos romances e estórias devem ser vistos e interpretados como fantasias com alguma qualidade, que fazem com que quem lê entre na dinâmica de novas fantasias! Quantas vidas – de sucesso ou de insucesso – são resultado da concretização (ou não) de fantasias mais ou menos assumidas e concretizadas!

Sem pretender provocar nem desvirtuar esta pequena reflexão, a nossa vida não será, na maior parte dos casos, resultado dalguma fantasia – no espetro dessas que consideramos saudáveis – e que movem (ou pelas quais movemos) a nossa vida atual e futura?

= Purificação (necessária) das ‘fantasias’

Do trato que vamos tendo com várias e diversificadas pessoas podemos aprender que cada um e cada uma são um imenso mistério… onde muitas das fantasias se misturam com vivências mais ou menos bem conseguidas e em que certas fantasias revestem alguma faceta de misterioso e muito do mistério (positivo e divino) de cada qual só se entende no quadro das fantasias… muitas delas enraizadas no tempo da infância e da adolescência.

A questão central deste problema será saber lidar como com os modelos de fantasia – heróis, ídolos ou influências enfatizados – e os valores que transmitem, pois, na sua maior parte, estão eivados de protótipos de índole materialista e hedonista… como se a vida fosse (ou pudesse ser) sempre daquele modo. A acrescentar a tudo isso teremos de saber quem são os adultos educadores – pais, professores e outras influências dadas e recebidas – que podem ajudar a valorizar ou a desmistificar tais fantasias e a colocá-las na devida proporção educativa. Desgraçadamente os pais, em todo este processo, são como que o elo mais fraco de toda uma cadeia de fantasias… sobretudo se virmos a família como a escola de maior influência inconsciente do nosso comportamento cívico, cultural e religioso.

= Do psicologismo à dimensão espiritual… das fantasias

Atendendo à análise de certos comportamentos, poderemos considerar que numa vaga de espiritualidades – muitas delas fora do quadro cristão e muito menos na aceitação do ser católico – pode ser que tenhamos, hoje, pessoas pretensamente boas, no seu conceito mais ou menos amoral, mas que podem viver em luta – se dela se aperceberem, de verdade – com fantasias quase imorais. Com que facilidade se fala de tudo e de todos sem respeito nem educação! Com que vulgaridade se emitem juízos de valor sobre pessoas expostas ao serviço dos outros! Com que leviandade se fazem acusações (explícitas ou presumidas) sem ter em conta a função ou mesmo o ministério eclesial!

De facto, como dizia Santa Teresa de Ávila, a imaginação é a ‘louca da casa’ e a fantasia poderá ser a mordoma de serviço, onde muito se pode efabular e quase nada provar… embora nos venha provocar!

Urge, por isso, saber educar para a cristianização da fantasia, ou poderemos ter surpresas, a começar pelas pessoas que nos possam ser mais próximas, pois, muitas vezes, o quadro de leitura pode estar desarticulado entre a cabeça e a emotividade…nem sempre tocada pela força de Deus, na humildade do Espírito Santo. Assim, se podem compreender certas rebeldias, quando se pretende ajudar a ser sensato e equilibrado nestas coisas em que o mundo sabe como nos pode explorar… sem disso nos darmos, logo, conta. Prudência, a quanto obrigas!

          

António Sílvio Couto

quatro anos depois...




Faz hoje -- 19 de agosto -- quatro anos em que surgiu um texto neste blogue.

Desde logo apareceu com uma motivação: «partilha de perspetivas... tanto quanto atualizadas».

Surgiram 271 artigos -- à média de pelo menos um por semana -- conforme se pode ver no índice que acompanha a abertura do blogue.

Por certo nem todos os textos têm o mesmo significado. Alguns -- poucos, diga-se! -- mereceram comentário, mas quase todos foram publicados em jornais onde costumo, semanalmente, colaborar.

Agradeço a compreensão de todos e espero a ajuda nesta forma -- creio com humildade -- de evangelizar, isto é, anúncio Jesus e o Seu Evangelho, servindo a Igreja a quem amo.

Espero a compreensão daqueles/as que nem sempre concordaram, mas nada disto é dogmático, tão somente uma forma de reflectir e de manter alguma lucidez sobre as coisas do mundo e da Igreja.

Bem haja a todos.

Com sinceridade,
 

antónio sílvio couto da silva

terça-feira, 18 de agosto de 2015

De aselhice em aselhice…

 
Quando perguntado sobre a divulgação duns cartazes de propaganda, o entrevistado disse: ‘isso foi uma aselhice’….quer os factos neles contidos, quer ao difundi-los… atendendo ao desenvolvimento dos acontecimentos mais recentes… Se é que não continuaremos a ver mais novidades na aselhice!

Mais do que um fait-divers deste tempo de verão, aqueles episódios – não fosse grave o momento social e o futuro que está em jogo – não passariam de anedotas a provocar algum sorriso. Mas nada disso se pode aceitar, pois se quis (assim pareceu) brincar com as pessoas envolvidas e, sobretudo, ocupar os espaços publicitários com outdoors menos adequados à realidade nacional.

= Estamos a pouco mais de mês e meio das eleições e parece que o nível das discussões, dos argumentos e mesmo das propostas não subirá muito acima do ridículo…do costume. As romarias (de gente para ocupar os espaços dos eventos) já começaram. As comezainas já ocupam o seu tempo e marcam o seu lugar. Entre uns ditos e outros factos se vai percebendo que o resultado previsto na secretaria (dalgumas televisões e umas tantas rádios) parece não se ajustar com a realidade do terreno… mesmo que possa haver sondagens para todos e os demais gostos e feitios… As redes sociais terão o seu protagonismo, claramente!

= Como sempre o que vai a juízo é aquilo que foi feito. Foram anos duros e de contenção. Mas os resultados parecem contrariar as opções de outros que, na Europa, viveram idênticas condições que nós. Eles apertam agora ainda mais na austeridade e nós vamos vendo onde poderíamos cair, se fossem seguidas as ideias de certos mentores ideológicos cá da nossa banda… O corrupio de elogios e de visitas aos vencedores de lá como que deviam envergonhar agora os seus defensores por cá… Não somos iguais nem na forma e muito menos no conteúdo!

= A tal sensação de ‘quanto pior melhor’ está a vier novamente à tona das águas turvas e peçonhentas de certas mentes e consequentes palavras. Há quem conte bastante com a sua esperteza, mas que continue a esquecer-se da inteligência dos outros… Vivemos num mundo pluralista, mas nem tudo vale só quando vem dos da nossa cor ou ideologia. Precisamos de honestidade intelectual e emocional ou tornaremos a vida política (pública ou privada) num pântano semeado de lacraus e moscas.

= Agora que somos chamados a avaliar o que foi feito, não podemos tentar continuar a varrer para debaixo do tapete as incompetências daqueles que nos fizeram viver tão dura prova… Já foram avaliados nas votações, mas (infelizmente) fazem ainda parte do problema e, não será por ignorá-los ou evitá-los, que se tornarão solução… antes pelo contrário. Mal vai um país – e porque não um partido ou uma qualquer associação ou coletividade! – que tenta esconder (alguns) atores que fizeram a história. Isso fazia-se em certos regimes e situações de limpeza étnica e ideológica. A dignidade estará em assumir os erros e aprender com eles… o que não temos visto em muitos dos intervenientes atuais da nossa vida política e social.

= De facto, está na hora de acabar com tanta aselhice, pois de ‘amadores’ só apreciamos aqueles que ‘fazem porque amam’ as causas a que se entregam. Não podemos continuar a usar as pessoas só quando nos interessam, mas devemos interessar-nos pelas pessoas que podemos e devemos ajudar. A ver pelo QI de certos intérpretes da nossa vida pública, parece que teremos de modificar a tabela de prestação de serviços, pois em muitos casos o QE não ajuda a conseguir boa execução de provas.

= Temos o que merecemos. Teremos, então, de investir mais na razoabilidade das aspirações como Nação e não poderemos querer ser bons na Europa se nos conformamos com a mediocridade em tantas das situações atuais e futuras. Como dizia o avô ao neto: somos descendentes dos que ficaram, quando outros saíram à descoberta de novos mundos… ontem como hoje e no futuro!      
 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Sinais de descomunhão… humana, política e eclesial



Temos estado – na dinâmica dominical da liturgia católica – a escutar, a refletir e a tentar viver textos que nos apontam para a necessidade de vivermos num esforço de comunhão nos mais diversos aspetos da nossa vida: humana e social, política e cultural, cristã e eclesial.
Há, no entanto, múltiplos sinais de descomunhão, uns mais visíveis e outros tantos tão subtis que será preciso fazer uma introspeção para os percebermos em nós mesmos e para os captarmos, sinceramente, nos outros…e, sobretudo, como ajuda à nossa própria correção.
Porque o assunto é um tanto delicado colocaremos mais perguntas do que faremos afirmações… embora estas possam estar – mesmo que de forma implícita – contidas naquelas…

= Na vida humana e social: ao viverem as pessoas – familiares ou vizinhos – na desconfiança e na provocação, não será isso um sinal de descomunhão? Quando as pessoas atribuem mais valor ‘ao disse-disse’ nas costas dos visados do que à conversa frente-a-frente, não será já isto um modo recorrente de descomunhão? Quando se difama sem olhar a meios, não será isto mais uma forma de descomunhão? Quando se privilegia a preguiça, sonegando informações às autoridades (seja qual for a instância ou presença) para continuar a receber o subsídio ou outra comparticipação social, não será mais isto uma forma capciosa de descomunhão?

= Nas coisas da política e na dimensão cultural: ao apresentar cartazes de propaganda com informações incorretas e abusivas, não será tal comportamento uma forma de descomunhão no presente, sobre o passado e para com o futuro? Quando as pessoas defendem posições só porque são fornecidas pelos seus simpatizantes e correligionários, não estaremos a fomentar a descomunhão entre cidadãos? Quando se fazem contratos de espetáculos tendo em conta mais a coloração partidária do que a qualidade artística, não estaremos a criar descomunhão e mesmo desonestidade intelectual? Quando os números – por exemplo do desemprego – não coincidem com as pretensões partidárias e ideológicas, tentando com isso como que manipular o público, não estaremos a cultivar a descomunhão, criando falsidades, revolta e divisões? Quando a informação – até mesmo no campo do desporto – só apresenta ou faz ouvir uma das partes (particularmente a que nos possa ser mais favorável clubisticamente), não será isso mais um tentáculo de descomunhão para o descrédito nos informados?

= Nas dimensões religiosas (cristãs ou outras) e, sobretudo, na vertente eclesial: muitos dos gestos da nova convivência (direta ou indireta) serão de comunhão ou de descomunhão? Quando se troca de paróquia pela simples razão de que não se quer ver nem conviver com quem nos pode ter magoado, não será isto um sinal de descomunhão mais ou menos inconsciente? De que adiantará ir ‘comungar’ (na missa sob a forma de pão consagrado) numa assembleia de anónimos, se isso se deve a um certo orgulho mal digerido, não será essa ‘comunhão’ um quase sacrilégio de descomunhão contra Deus e para com os (possíveis) irmãos? Quando podemos andar a engordar com religião quem mal foi evangelizado, não andaremos a favorecer a descomunhão, mesmo que sob a capa de religiosidade envernizada? Por entre as múltiplas formas de movimentos e/ou de ações ‘apostólicas’, não será que quase se faz da descomunhão uma construção mais de capelas fechadas e não como Igreja com dimensão católica? Será que as congregações, institutos ou até ordens religiosas vivem em si a comunhão ou – como parece sentir-se – serão antes focos de descomunhão…embora dizendo servir o mesmo Deus e o seu povo?

Tal como referimos no início desta partilha/reflexão, as perguntas não são abstratas, mas têm alguma base de contato com a vida e não pretendemos sequer questionar ninguém, mas antes alertar para pequenos sinais de descomunhão…Porque muitas coisas há a corrigir, tendo em conta a força do Evangelho, deixamos estas preocupações…mais para o futuro do que julgando o passado!          

António Sílvio Couto

domingo, 9 de agosto de 2015

Tibieza recorrente, hoje

 «Conheço as tuas obras: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente. Assim, porque és morno – e não és frio nem quente – vou vomitar-te da minha boca» (Ap 3, 15-169.
Hoje é muito pouco comum falar-se de tibieza. Se procurarmos nalgum índice analítico de documentos recentes da Igreja – por exemplo: Catecismo da Igreja Católica, textos do Concílio Vaticano II… temos alguma dificuldade em encontrar referências explícitas a este termo, podendo surgir o seu contrário ‘zelo’ e questões afins… Explicitamente falta algo sobre esta matéria!
Há quatro ou cinco décadas atrás era muito habitual vermos variadas anotações ao tema da tibieza, seja nos sinais da mesma, seja nas causas e, sobretudo, nas consequências duma vida cristã tíbia ou morna, deixando correr ou mesmo vivendo no ‘faz-de-conta’ e na vulgaridade das atitudes para com Deus, para com os outros (particularmente na vivência em Igreja católica) e até cada um para consigo mesmo…

= Mas será correto enfrentar a tibieza se, à nossa volta e em nós mesmos, vemos que tudo nos puxa para o mais fácil? Não se poderá correr o risco de ser considerado fanático se se destoa da maioria… dentro ou fora do quadro da Igreja católica? Perante esta forte onda de desmotivação (social, pessoal, familiar e mesmo eclesial), não andaremos ao ritmo da tibieza (quase) institucionalizada? Não viveremos todos numa falta de ardor tal que o melhor será deixar correr… para ver para onde isto (nos) leva? Quem ousará correr o risco de incomodar tantas consciências acomodadas ao ‘bem-bom’ quotidiano? Não será que, por vezes, é mais fácil atirar as responsabilidades para os outros sem nos deixarmos inquietar minimamente, seja com o que for? Tudo isto não estará a pôr a nu a falta da verdadeira profecia, nalguns casos, confundindo-a mais com reivindicação e até com a mera denúncia? Afinal, não será a tibieza uma definição da cultura que temos estado a criar, a cultivar e a viver?

= Cultura em modus vivendi
Quem melhor do que Santa Teresa de Ávila – no quinto centenário do seu nascimento – para nos falar da tibieza, como estado de alma e/ou atitude de vida?
«Passei nesse mar tempestuoso quase vinte anos, ora caindo, ora levantando. Mas levantava-me mal, pois tornava a cair. Tinha tão pouca perfeição que, por assim dizer, nenhuma conta fazia dos pecados veniais. Se temia os mortais não era a ponto de me afastar dos perigos. Sei dizer que é uma das vidas mais penosas que se possa imaginar. Nem me alegrava em Deus nem achava felicidade no mundo. Em meio aos contentamentos mundanos, a lembrança do que devia a Deus me atormentava. Quando estava com Deus, perturbavam-me as afeições do mundo. Com o auxílio da graça, é possível sair da tibieza e passarmos da condição de frios e temerosos a fervorosos no Espírito» (Santa Teresa de Jesus, ‘Vida’ 8, 2).

Sem nos darmos totalmente conta, vivemos numa cultura cujo modo de ser e de estar é uma espécie de mediocridade, onde a apatia, o desânimo, a indiferença, o ‘tanto-vale’, a moleza, a frieza (nas relações com Deus e mesmo uns com os outros), um certo desprezo até para com os que nos são próximos fazem carreira na vida e no comportamento de muitas (diríamos, demasiadas) pessoas. E, pior, isto está alojado em nós mesmos – como se fosse um vírus letal – que nos faz, na maior parte dos casos, acusar os outros, mas a doença está em cada um de nós…
Mais do que receitas para os outros, precisamos de fazer o diagnóstico sobre nós mesmos e aceitarmos que vivemos em estado de tibieza muito galopante, incapazes de ver os sinais mínimos de Deus na nossa vida. Assim se poderá explicar a desmotivação em (não) participarmos nos projetos da Igreja universal, na vivência das dioceses e nos aspetos recorrentes das paróquias. É contra este estado de tibieza que temos de lutar em força e na força do Espírito Santo. De facto, foi Ele quem investiu os discípulos temerosos e tíbios, na manhã do Pentecostes, em anunciadores da Ressurreição na força de Jesus.
Tal como o profeta Ezequiel (Ez 37,1-14) queremos suplicar ao Espírito Santo que sopre sobre este montão de ossos ressequidos e os faça reviver como exército do amor de Deus, na esperança e na coragem!

António Sílvio Couto

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Circunstâncias da vida de pároco, hoje!

 Por estes dias tive a oportunidade de visitar, numa zona rural (embora sede de concelho) do norte do país, um padre que é pároco há cerca de trinta anos… no mesmo local. Embora tenhamos estudado no mesmo seminário, embora sendo de dioceses diferentes, seguimos percursos diversificados… sobretudo tendo eu rumado ao sul do Tejo há quase duas décadas.
Num tempo algo específico que é o nosso, somos partilhando circunstâncias um tanto díspares mais na forma que não no conteúdo… Já em dias anteriores tinha vivido outras partilhas e preocupações de outros padres também párocos e com sensibilidades e interrogações a exigirem mais do que conversa circunstancial.
Há, apesar de tudo, inquietações que fui percebendo… nem sempre alentadoras do serviço pastoral àqueles/as, que Deus tem colocado no nosso caminho.
- Nota-se um crescente desrespeito pela figura e pela função do padre/pároco. Quais as razões que têm contribuído para isso?
- Nota-se uma forte desmotivação das pessoas em viverem em espírito de Igreja… seja qual for a diocese. Onde podemos encontrar as explicações para tal fenómeno?
- Nota-se uma certa rebeldia das pessoas que ainda andam pela Igreja, dando a entender que mais contestam do que aceitam muitas das orientações. Será esta uma etapa ou um caminho a percorrer, por entre lágrimas, lamentações e confrontos?

= Escrevo esta partilha algo dorida e até sofredora no dia em que, na Igreja católica, se celebra o Cura d’Ars (São João Maria Vianney), considerado o patrono dos párocos e uma espécie de modelo de padre que, no seu tempo – ainda recentemente motivou a convocação pelo Papa Bento XVI do ‘ano sacerdotal’ (2009/10) – e para todos os tempos é apresentado como alguém que viveu em alto e digníssimo estado o trabalho com o povo de Deus… sobretudo na vivência dos sacramentos da eucaristia e da penitência!
Desgraçadamente conhecemos pessoas que têm pelo Cura d’Ars grande devoção, mas que, na prática de vida quotidiana da igreja, parecem menosprezar por excelência aqueles que Deus coloca no serviço paroquial de proximidade. Infelizmente sabemos de pessoas muito venerandas das atitudes de Cura d’Ars, mas que agora flutuam ao sabor das boas impressões daqueles que não conhecem nem se dão a conhecer… Efetivamente já vivi em Ars – no espírito do Santo Cura – vários momentos de grande graça e de salutar proveito espiritual…Um deles ocorreu mesmo por ocasião do jubileu do ano 2000 e que reuniu centenas de padres de toda a França… Outros foram de singular importância e de extrema comunhão comunitária…

= Perante estes significativos sinais, como que sinto alguns desafios – talvez nem sempre sintonizados com outros… eclesiásticos, leigos ou religiosos – que me fazem sentir numa espécie de inquietação, tendo mesmo em conta o próximo simpósio do clero, que vai decorrer, em Fátima, de 31 de agosto a 3 de setembro, subordinado ao tema: ‘Padre, irmão e pastor’.
Atendendo ao significativo número de padres que se costumam reunir – normalmente dez por cento do clero em Portugal – mais (assim me parece) as minhas leituras sobre a condição de pároco se tornam acutilantes.
- Será que temos estado a olhar para o estado da Igreja ‘ad intra’ ou teremos preferido lançar denúncias sociais para o exterior, distraindo-nos e adiando as questões sérias da Igreja e para a Igreja católica?
- Certas iniciativas do âmbito do social – dar de comer, de projetos sócio-culturais e de cuidar das fomes – são uma vocação/missão ou servem de fait-divers da incapacidade de real evangelização?
- Temos tornado os frequentadores das igrejas – misseiros e/ou sacramentados – agentes de caridade ou de mais de mera solidariedade?
- Não andarão os párocos a cuidar mais do urgente do que do necessário, isto é, como controladores da distribuição do pão da fome do corpo do que como animadores da escuta e da comunhão psicológica, espiritual e eclesial?
- Certas ‘cenas’ de final de missa – cumprimentos e saudações mais de âmbito de relações públicas – não condicionarão a capacidade profética…porque se tem de agradar aos que (ainda) enchem os templos?

António Sílvio Couto