Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 28 de novembro de 2017

Que expetativa para o próximo Natal?


De 3 a 24 de dezembro decorre o tempo litúrgico do Advento, isto é, a preparação mais próxima para o Natal. Neste celebramos – no hemisfério norte em contexto de inverno – o nascimento de Jesus Cristo, há mais de vinte e um séculos.

Ora, este tempo do Advento inclui quatro domingos e, na maior parte das vezes, o ritmo doutras tantas semanas. Não é isso que temos este ano, pois o quarto domingo celebra-se a 24 de dezembro e, nessa mesma noite, já temos a designada ‘missa do galo’; por isso, será muito curto o espaço e a oportunidade de vivermos condignamente essa tal ‘semana’, que não passa dumas breves horas…

Tanto quanto é percetível o Natal ainda apresenta alguns resquícios de cristandade, isto é, daquele ambiente em que todos – ou uma grande parte – era cristã, senão no conteúdo ao menos na forma e se ia (vai) usufruindo dos benefícios gerais (feriados, festas, prendas/presentes, convívios, augúrios, etc.), embora sem compromisso no particular… Mas será que, no ritmo deste ciclo da vida, ainda pode haver mais do que rotina e tradição – essa que pode até esconder ignorância e má-fé – na preparação e na vivência do Natal deste ano? Teremos de repetir algo de nostálgico ou de fazer algo sem sabor ou novidade?

Porque o Natal deste ano pode ser o último da nossa vida – alguém pode afiançar que não é? – talvez devamos pessoal, familiar, social e eclesialmente vivê-lo com outra, nova e única intensidade. Poderá acontecer que nos venham à memória os que, da nossa família humana, psicológica ou da fé, já não vivem o Natal de forma visível. Talvez esses dias possam ser mais duros e sensíveis… Enquanto isso poderemos ver tantos para quem essa data não passa disso mesmo, uma data onde O festejado é esquecido e as honrarias são mais interesseiras e humanas do que seria desejável.

Há condimentos da nossa cultura cristã que nos podem ajudar a viver com expetativa este Advento. Temos vindo a perceber que no sul da Europa – mais dinamizado pela primavera e a Páscoa – têm estado a ser introduzidos aspetos muito realçados nos países do norte do continente: enfeites alusivos à natureza, velas e luzes, ‘coroa do Advento’… e tantos outros aspetos de quem privilegia a preparação e vivência do Natal em contexto mais fechado em casa e não tanto na rua, como nos países latinos… Tanto quanto é percetível, as imitações não nos têm (aos latinos) tornado mais trabalhadores, tão pouco mais fraternos e ainda mais cristãos…pelo contrário!

 

= Uma sugestão de itinerário: ‘família, santuário da vida em Jesus’

 

Atendendo à necessidade de configurar a nossa vivência do Advento à volta dum tema, na paróquia da Moita, diocese de Setúbal, propusemos um itinerário, tendo em conta o biénio diocesano da família, onde a palavra ‘vida’ está em destaque, numa proposta progressiva em cada semana. A partir de ‘vida’ enquadramos um ritmo…em que cada letra da palavra nos aponta um aspeto concreto e simples: vamos irmãos dar alegria… Isso desdobra-se em subtemas: vigiar sobre a vida (1.ª semana); conduzidos na vida (2.ª semana); acolhendo a vida (3.ª semana); celebrar a Vida (4.º domingo)…chamando a participar em cada domingo para setores diferentes da família, respetivamente, avós, pais, mães (bênção das grávidas) e filhos/irmãos.

A assunção da ‘coroa de Advento’ em família poderá proporcionar um tempo de oração – mesmo (ou sobretudo) à volta da mesa – da família em cada domingo, sendo sugerida uma breve oração de bênção dessa vela que há de estar presente cada vez que a família se reúne ao redor do mesmo pão…

Se bem que as diversas editoras católicas nos vão seduzindo com as suas propostas, torna-se mais apropriado que cada diocese ou paróquia – tudo dependerá do âmbito onde nos possamos inserir/comprometer – faça a sua sugestão de caminhada, sem nos deixarmos enlear por algum ‘fast food’ religioso um tanto envernizado por laivos de ‘new age’, isto é, lindos e atraentes, cativantes e perfumados, de muito teor social, dum tanto registo light e de algo anódino quanto baste…sem Cristo, claramente!

Em jeito de rodapé: o que mais custa ver e até aceitar é o razoável número de cristãos (ditos) praticantes que, nesta época de Natal, se comporta com critérios neopagãos, ficando mais nas coisas materiais do que na vivência d’Aquele que festejamos… Isto para além da ausência das celebrações comunitárias mais básicas!

 

António Sílvio Couto



domingo, 26 de novembro de 2017

Tentáculos da ‘black friday’…


As ramificações da sexta-feira negra (‘black friday’) na nossa vida social, económica, política e cultural são mais do que muitas. Algumas são um tanto percetíveis, outras nem por isso e muitas ainda de complicada compreensão.

Qual a origem e o significado da ‘6.ª feira negra’? No conceito social e económico a ‘black friday’ é uma expressão quem vem sendo usada para designar a quarta sexta-feira de novembro, ou seja, um dia depois do ‘dia [americano] de ação de graças’, que acontece na quarta quinta-feira do mesmo mês. Explicando: a sexta-feira negra seria como que uma espécie de ponte entre o feriado nacional americano e o fim-de-semana seguinte, com que muitos funcionários seriam agraciados. Isso permitiria uma boa oportunidade para os comerciantes criarem um dia de liquidações, atraindo consumidores e dando ainda abertura ao início de compras de natal e de fim-de-ano…

Como bons ‘imitadores’ das façanhas dos americanos – mesmo que contestatários do espírito capitalista que lhe está subjacente – bem depressa entramos na lógica do consumismo… com grande gáudio de marxistas, trotskistas, socialistas e afins. Uma coisa é o que (pretensamente) se pensa e outra bem distinta aquela que se faz e como se vive! Incongruência a quanto obrigas!...

Este ano a ‘sexta-feira negra’ teve preparação e prolongamento, isto é, foi tendo espaço desde o princípio da semana e até quase ao final do mês.

Ora, o governo deste país – qual ariete representativo do espírito de ‘black friday’, isto é, aumenta os preços para fazer de conta que os reduziu na hora de colocar à venda as benesses em maré de saldos – também entrou na lógica desta época. Quis fazer o balanço de dois anos de governança. Entregou a tarefa a uma empresa de comunicação e imagem – Aximage… que tão bons resultados tem ‘vendido’ nas sondagens para a área governativa, agora e no passado recente. Escolheu uma universidade e montou o cenário. Dizem que pagaram umas centenas de euros aos ‘selecionados’ para participarem no estudo… mas o pagamento era fornecido em cupões de produtos em cadeias comerciais… O coordenador do dito estudo parece estar na linha de quem já enterrou o discurso da austeridade, sabe-se lá a que preço e com que futuro!

 

= Atendendo aos acontecimentos dos últimos meses – desde meados de junho – que há para comemorar? As vidas colhidas pelos fogos – 64 em junho e 50 em outubro – não mereciam mais respeito e contenção nos festejos? Os prejuízos das pessoas não podiam fazer com que os governantes, ao menos este ano, fizessem algo comedido e sensato? Ou será que o sofrimento alheio não desmotiva quem manda?

Dá a impressão que se está a voltar a um espírito de ‘dejà vu’ na condução das políticas: resolver com festanças os ‘sucessos’ sem esperar que se consolidem os resultados. Isso mesmo deu origem à recente intervenção exterior em matéria de finanças públicas. Parecemos alguém que conseguiu sair, um poucochinho do vício e logo vai celebrar as pequenas vitórias com exageros iguais aos problemas…

O país não pode viver nos solavancos de gente inconsistente e temerária, que cultiva a vivência do ‘chapa ganha-chapa gasta’, pois isso só nos tem trazido dissabores e mais e mais problemas pessoais, familiares e sociais de incontinência económica, associada à verborreia duns tantos mais habilidosos e espertos, mas que farão os incautos pagar as consequências a curto e a médio prazo.  

= O problema de muita dessa gente que se deslumbra e deixa aliciar pelo espírito da ‘black friday’ nunca soube o que era passar dificuldades nem pessoais e tão pouco familiares. Dá a impressão que sempre tiveram tudo o que desejavam, desde a mais tenra idade, sem lhes ser coartada qualquer pretensão, por mais ousada ou cara que fosse. Talvez não tenham de ir com o dinheiro contado às compras, pois o ‘cartão’ tudo suporta e faz de conta que tem cobertura. Ora, ser governado por pessoas deste jaez só serve para criar rezingões e reivindicativos e pessoas pouco colaborantes no destino comum e com sensibilidade aos mais frágeis e, por vezes, marginalizados. Não será dando cobertura à minoria da função pública, espremendo com impostos os privados, que este país sairá do fosso para onde está, nitidamente, a regressar. O tempo confirmará que estamos mais perto disso do que julgamos…

 

António Sílvio Couto

Quatro atitudes-chave para a construção da paz


Na sua mensagem para o 51.º dia mundial da Paz, intitulada - ‘Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz’, o Papa Francisco apresenta aquilo a que chama ‘quatro pedras angulares para a ação’. Reportamo-nos às suas palavras e deixamos algumas reflexões.
«Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar». Esta citação é da mensagem que o próprio escreveu, em maio passado, para o dia mundial do refugiado de 2018. Com efeito, a consonância das quatro atitudes-chave devem ser progressivas e complementares, fazendo ligação entre duas grandes preocupações papais: refugiados e paz
* «Acolher’ faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais».
Dizendo o que entende por ‘acolher’ – uma espécie de palavra charneira do seu ministério – o Papa Francisco tenta alargar os horizontes políticos, sobretudo da ‘velha’ Europa, para esta diaconia essencial do cristianismo, tão presente no elenco das obras de misericórdia. O Papa cita o texto da epístola aos Hebreus no contexto do exercício da hospitalidade, como marca de cultura desde sempre para os cristãos.
* «’Proteger’ lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina».
Num tempo eivado de tanta discriminação, sobretudo dos mais frágeis/fragilizados, onde se incluem, muitas vezes, mulheres e crianças, o Papa traz de novo à colação o drama do tráfico de pessoas, particularmente, destes mais vulneráveis, tanto na sua dignidade como na sua convivência humana em maré de desenraizamento das suas terras e culturas. Citando o Sl 146,9, o Papa Francisco apela à memória do povo de Israel como as raízes mais profundas da nossa civilização ocidental, por vezes, tão fechada aos marginalizados da economia e dos direitos mais básicos de cidadãos...
* «’Promover’ alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito».
Mais do que tolerar, temos de saber enquadrar, inserir e dar alicerces de promoção aos que vivem a tragédia de serem refugiados ou mesmo migrantes. Na sequência daquilo que já dizia Paulo VI, numa das suas mensagens para este mesmo dia mundial da paz – a de 1969: promoção dos direitos humanos, caminho para a paz - se referia à promoção humana como outro nome da paz., o Papa Francisco salienta que, mais do direitos a reivindicar, estamos perante fatores de humanização e de critérios para a construção da paz verdadeira e não a dos acordos políticos mais manhosos e frustrantes... Recorrendo à longa bíblica de ser estrangeiro, cita-se Dt 10,18-19, onde os que estão em terra sua, não se esquecem de quando foram itinerantes e estrangeiros como aqueles que agora acolhem. Diríamos: memória, precisa-se!
* «’Integrar’ significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais».
Ao citar Ef 2,19, o Papa acentua que, para qualquer cristão, não há nada que lhe seja indiferente nem ele mesmo se pode sentir fora do âmbito da cidadania mais serena e comprometida: todos estamos em peregrinação e caminhamos na condição de Algo que nos atrai e mobiliza à fraternidade universal em Cristo. Os que, agora, são refugiados e migrantes lembram-nos a todos a nossa mais radical condição de peregrinação e de solidariedade para com eles...mas onde nós podemos sê-lo muito em breve... O que fizermos aos outros recebê-lo-emos em nós e para connosco.

 

António Sílvio Couto



quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estaremos tão amaldiçoados?


No ambiente bíblico – sobretudo judaico – a ausência de chuva era vista (lida, interpretada ou considerada) como uma espécie de maldição. Isto era quando os humanos viam nos sinais da natureza outros tantos sinais de Deus! Agora que nos julgamos sabedores de muito e senhores de quase tudo, até dos segredos da natureza, corremos o risco de entrar numa visão de possível risibilidade sobre tais problemas…se neles incluirmos a presença e a ação de Deus.

Vejamos, no entanto, como o povo de Israel via, sentia e vivia este tema da chuva e, consequentemente, da água…tão necessária numa região de seca e quase desértica, que era a Palestina.

As palavras hebraicas e gregas que querem dizer chuva aparecem mais de cem vezes na Bíblia. As águas do Céu eram imagem da bênção divina. É sobretudo nos Salmos, enquanto fonte orante e resultado da oração do povo de Deus, que vemos forte referência tanto à súplica, como à ação de graças pela chuva… muitas vezes não esquecendo a vida agrícola e a necessidade da chuva para a sobrevivência pessoal, familiar e comunitária: Sl 147,7: Ele cobre de nuvens o céu e para a terra prepara as chuvas, que fazem crescer as ervas nos montes. Sl 68,10: Fizestes cair, ó Deus, a chuva com abundância; restaurastes as forças à tua herança extenuada.

O fenómeno da não-chuva foi visto, muitas vezes, pelo povo de Deus como uma espécie de castigo pela infidelidade a Deus: ‘Se o céu se fechar e não chover mais, por eles terem pecado contra ti, se orarem neste lugar, prestando glória ao teu nome e arrependendo-se do seu pecado por causa do teu castigo… Mostra-lhes o caminho reto que devem seguir, envia chuva à terra que deste como herança ao teu povo’ (2 Cr 6,26-27).

Na linguagem do Novo Testamento encontramos a referência à chuva como bênção divina para todos, indistintamente da sua religião – ‘Ele [Deus Pai] faz com que o sol se levante sobre bons e maus e faz cair a chuva sobre os justos e os injustos’ (Mt 5,45). O dom da chuva é ainda interpretado como sinal da paciência divina, que se repercute no comportamento humano: ‘Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias’ (Tg 5,7). 

= Em certo sentido o fenómeno que temos estado a viver, no nosso país, com a ausência de chuva talvez não tenha criado, minimamente, nos crentes e nos descrentes uma leitura dos sinais de Deus nestas condições atmosféricas. A prova desta (quase) inconsciência coletiva é a ligeireza com que temos andado a cuidar deste assunto… a começar pelos governantes. Com efeito, de que adianta falar em seca, se temos normalidade no abastecimento de água. Mesmo duma forma subtil o problema não se põe, pois ainda não sentimos a falta de produtos hortícolas, se bem que os paguemos mais caros, e nem tenhamos sentido o racionamento de água, mesmo que seja ainda um produto barato nas contas de casa… Até porque outros assuntos nos vão distraindo e – segundo dizem – os proventos económicos não ofuscam esta questão da ausência de água… 

= Quem conhecer um mínimo da história da humanidade e dos povos saberá quem sempre houver disputas, conflitos e guerras por causa da água, seja pela sua conquista, seja pelo seu uso nos vários campos de atividade humana, económica e cultural.

Segundo alguns a água é considerada o ‘petróleo do século XXI’, podendo tornar-se cada vez mais agudo o seu uso correto entre povos, nações e regiões. De facto, a água deixou de ser, cada vez mais, um recurso inextinguível para se tornar um bom de conflitualidade no futuro como o foi no passado. Já em meados da década de noventa do século passado um responsável do banco mundial referia: ‘se as guerras deste século [XX] foram travadas por causa do petróleo, as do próximo século serão travadas por causa da água’.  

= É urgente uma reeducação para o correto uso da água, tanto ao nível pessoal como nas dimensões coletivas e sociais. Como bem essencial que é para a sobrevivência da humanidade, precisamos de ter sobre este dom divino uma leitura, um comportamento e uma atitude bem mais séria e sensata. Como utentes da ‘casa comum’ que é este mundo precisamos de novos deveres comportamentais exigentes e normais…        

 

António Sílvio Couto



segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Sugestões para dinâmica paroquial


Dando cumprimento a um desejo e necessidade de reflexão cerca de duzentas pessoas da paróquia da Moita retiraram-se para Vila Viçosa, na passado dia 19, em ordem a aprofundar os resultados dum inquérito recentemente feito nas missas paroquiais e a refletir sobre que paróquia pretendem ser no futuro próximo.

Dado o alcance deste texto – mais para o exterior da dita paróquia – vamos centrar a nossa atenção em quatro caraterísticas que serviram de pistas de reflexão. O ponto de partida para o que aqui vamos sintetizar são as conclusões dum livro publicado, em setembro do ano passado, nos EUA – ‘Grandes paróquias católicas’ – onde se apresentam essas caraterísticas lá verificadas, e aqui vistas como desafios e incentivos a melhorar: 

* Liderança – mais do que uma liderança centrada numa pessoa, refere-se a liderança partilhada, isto é, onde se possa verificar a dimensão comunitária, com a intervenção estruturada e coordenada de leigos e onde os dons e carismas de cada um possam ser postos ao serviço dos outros.

Não será só tolerável que os leigos sejam chamados a participar nas tarefas das paróquias, tendo como atenuante a diminuição de clero… como parece verificar-se em tantos lugares. Os leigos são parte integrante das nossas paróquias, continuar a menorizá-los será, além de negligência, uma espécie de pecado grave contra o corpo da Igreja católica.

Claro que temos um razoável caminho a percorrer, mas temos de dar os primeiros passos e de criar mais inquietações. O ‘termos padre’, como dizia alguém numa das avaliações, é bom e fundamental, mas tem de tornar-se mais consciente pela ajuda de todos…  

* Crescimento espiritual – é fundamental que as pessoas sejam educadas na capacidade de alegrar-se com o crescimento e a valorização dos outros, tendo em conta a dinâmica do sentido de pertença e do discipulado. Para que tal possa acontecer de forma sistemática e comprometida será preciso estar atento e participativo nos momentos de formação propostos pela diocese, a paróquia e mesmo os movimentos.

Por vezes torna-se confrangedor ver como tantos dos paroquianos se limitam à missa dominical, desaproveitando outros momentos, tanto de âmbito querigmático como catequético. A formação na linha bíblica é de grande utilidade, seguindo, em muitos casos, a ‘lectio divina’, que tem vindo a ganhar importância na caminhada de muitos católicos.    

* Liturgia – como grande espaço de participação, a liturgia não pode continuar a ser usada de modo intermitente, como acontece em tantos casos dos nossos ‘praticantes’, mas será pela presença, a participação e o compromisso nas celebrações que as próprias paróquias se hão de renovar. Aquilo que o autor americano citado chamava de ‘liturgia vibrante’ não pode ser reduzido a uns ritmos mais ou menos importados doutras realidades que não as da igreja, mas deverá alicerçar-se no acolhimento, na atenção e no cuidado para com os fragilizados – e são tantos/as – que procuram na liturgia algo que os/as possa serenar e dinamizar a vida quotidiana.

Urge passar dalguma da frieza das relações das ‘nossas’ missas para a capacidade de acolhimento a cada pessoa, como vemos em certas expressões não-católicas… Assim haja tempo, disponibilidade e carisma! 

* Evangelização – mais do que um conceito de circunstância, a cultura tem de ser evangelizada e evangelizadora. Há espaços e lugares que têm de ser penetrados com a presença evangelizadora católica, promovendo iniciativas de âmbito cultural – sem deixarmos que ‘cultura’ seja uma oportunidade só para alguns que rejeitam a fé cristã – como conferências, palestras e colóquios – o ideal seria com ritmo mensal – envolvendo também pessoas de fora do âmbito eclesial.

A cultura não pode continuar nas mãos ‘só’ das autarquias e dumas associações de tal forma laicas, que só servem para relegar o cristianismo para um certo reduto negligente.

 

= Estes foram os vetores refletidos… outros poderão ser aprofundados em novas ocasiões!

 

António Sílvio Couto



sábado, 18 de novembro de 2017

Rumos enviesados…contra a Igreja


Um tal autoapelidado grupo ou grupelho de ‘coordenação nacional de rumos novos – católicas e católicos lgbt (portugal)’ fez chegar ao princípio da noite de 16 de novembro passado uma inflamada «posição pública face ao comunicado da 193.ª assembleia plenária da conferência episcopal portuguesa».

Não reproduzimos qualquer designação da entidade citada em letras maiúsculas, pois a dita comunicação – recebi-a na forma de endereço pela paróquia onde tenho nomeação de funções – faz-nos fazer crer que representa alguém…embora não saibamos quais são os seus mentores, quem são os aderentes ou até onde se situam os apaniguados…dado que não assinam nem mostram o rosto, se é que o têm! 

= Se nos ativermos às ‘fontes’ citadas, quem redige esta comunicação teve acesso a documentos atualizados da formação dos seminaristas, pois cita o ‘Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis – o dom da vocação presbiteral’ com publicação a 8 de dezembro de 2016 e que apresenta diretrizes muito exigentes sobre o acesso ao seminário e, por conseguinte, à ordenação sacerdotal, colocando restrições, parâmetros e exclusões de quem manifeste tendências homossexuais, tanto para serem aceites nos seminários, como para o exercício do ministério sacerdotal… O Papa Francisco tem sido intransigente e, nalguns casos muito duro, sobre esta matéria e as diferentes ramificações que ela representa atualmente na Igreja católica. 

= Depois de aduzirem uma citação do catecismo da Igreja católica, de que não apresentam a localização – são os números 2357-2359 – sobre o acolhimento a quem apresente orientação homossexual, os tais autores do comunicado confundem a vivência celibatária com a sua ansiada afirmação lgbt (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais), invetivando as palavras do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e dando a entender que certas bases científicas lhes dão razão. Quais serão elas, se não as referem cientificamente? Porque tentam ridicularizar as afirmações do presidente da CEP só por que não são de acordo com as suas pretensões? Porque tentam refugiar-se no desvio – conveniente, acintoso e provocador – de que os casos de pedofilia não têm nada a ver com questões de homossexualidade? 

= Citamos, por conter algo de inoportuno, aviltante e até de mesquinho, o tal comunciado: ‘Na rumos novos – católicas e católicos lgbt conhecemos muitos sacerdotes homossexuais, que se entregam seriamente ao seu ministério, mas também conhecemos muitos outros com afilhados, sobrinhos, governantas e afins, aos quais, muitas vezes, se olha para o outro lado. Qual é mais fiel a Cristo e ao ensinamento da Igreja?’.

Sejam lá quem forem esses/as da ‘rumos novos’ não têm direito algum de lançar qualquer labéu sobre quem sempre quis viver uma vida séria de entrega a Deus e ainda de querem misturar tendências com pecados ou que queram confundir interesses de lóbi com propostas de vida no sacerdócio celibatário e católico.

É verdade que temos de enfrentar os desafios com respostas que não sejam de ontem, mas não será com a passagem de esponjas envernizadas duma pretensa mentalidade light que iremos construir uma Igreja de Jesus Cristo atualizada ao ritmo dos sinais dos tempos, como dizem, citando o Concílio Vaticano II. Estes sinais não podem nunca servir para voltarmos à cultura pré-vetero-testamentária de sodoma e de gomorra (Gn 19,1-29), onde as tais tendências e manifestações homossexuais foram castigadas por Deus – entenda-se a linguagem mítica – com ‘fogo e enxofre’!                   

= O senhor presidente da CEP falou, respondendo a perguntas, mas a matéria continua um tanto difusa como se o silêncio possa significar concordância sobre assuntos fulcrais para a condução da Igreja neste tempo e nesta terra…lusitana. E nem os erros, os pecados, as falhas, as conveniências sejam lá de quem forem, podem fazer tresler quem tem a função de conduzir a Igreja por entre nuvens e trovoadas, através de tempestades ou de situações de seca (mais de índole espiritual do que a de âmbito climatérico)… reconhecendo cada qual a meta para onde caminha sem se deixar tropeçar nas etapas mais ou menos sinuosas do dia-a-dia…

Precisamos de saber, efetiva e afetivamente, o rumo… para não nos deixarmos distrair por cigarras de ocasião!

 

António Sílvio Couto



terça-feira, 14 de novembro de 2017

Será uma certa necrofilia…social?


Os atos mais recentes dalguns setores sociais parecem denunciar que algo vai mal na vida duns tantos, pois parecem preferir a morte à vida, os mortos aos vivos, seja nos contactos mais sérios, seja nalguns momentos da vida…cultural, cívica e social.

Desde logo ‘necrofilia’ quer dizer ‘amor’ (filia) pelos ‘mortos’/cadáveres (nekros) e, embora lhe seja dado um certo teor de âmbito sexual, poderá ter um alcance etimológico de contacto com mortos, com os lugares onde eles possam estar, como cemitérios ou outros, tendo com isso e nisso algum prazer…

O episódio do jantar de gala de enceramento da ‘Web summit’ 2017, no átrio principal da igreja de Santa Engrácia – indevidamente reduzido a panteão – ‘pan’ (todo), ‘teon’ (deuses) – nacional, que se alarga a mais espaços, como os mosteiros dos Jerónimos, da Batalha e de Santa Cruz – trouxe à discussão algo que tem tanto de interessante, quanto de mais fundo do que a mera coincidência de reações e de discussões mais ou menos fundamentalistas.

Tirada a possível carga economicista que se quis dar ao episódio, teremos de ir um pouco mais adiante na descoberta de certos factos e do seu significado. Com efeito, se já os espaços de repouso dos restos mortais de alguém não merecem o mínimo de respeito, talvez estejamos a abrir uma nova caixa de pandora, onde nada nem ninguém estará a salvo. Sem qualquer laivo de humor negro, seria de questionar se não poderá haver um possível réveillon nalgum desses cemitérios espalhados por todo o país e que são dignos espaços museológicos dentro da arte e do estilo…

Ora, depois duma espécie de tanatofobia, dá a impressão que se prepara um novo ciclo em que a morte será como que desmistificada senão mesmo se andará mais na área da tanatolatria, isto é, em busca duma estética da morte e daquilo que a ela pode conduzir. Repare-se no incremento do apelidado ‘dia das bruxas’ e do folclore que à sua volta se tem vindo a desenvolver: mais do que uma brincadeira infantil, estamos a semear sinais de culto da morte, senão de forma clara ao menos de forma tácita. Os adereços do horrível – em meu entendimento – com que se faz essa quase ‘celebração’ apontam mais para uma cultura da morte do que da vida. Diga-se: parece que se vulgarizou a morte e não como referência para se conduzir na vida, mas como referencial de conduta social e cultural.

A ocupação do átrio da igreja de Santa Engrácia para eventos sociais e bem pagos tem feito reverter para o estado algumas somas económicas e nem as reações mais indignadas de certos intervenientes políticos salvaguardam a indignidade em serem usados estes espaços que ainda eram redutos de bom senso e não estavam expostos à voragem mais economicista. Com efeito, os episódios recentes e os mais antigos como que revelam que o fator dinheiro se sobrepõe aos valores humanos e éticos…seja qual for a governança – estatal ou camarária – que o permita, tolere ou incentive.

Torna-se, por isso, urgente reconsiderar sobre as causas que motivam tantos dos nossos governantes, pois, na maior parte dos casos, não olham a meios para atingirem os seus fins, sejam tácitos ou explicitados. Uns precisam de dinheiro, outros auspiciam fama e honrarias; uns tantos querem aparecer nem que seja à custa de vilipendiarem os valores pátrios, outros usufruem dos proventos e clamam por moralidade, quando se deixaram prostituir pelo vil metal; uns correm a verberar quem ousou mudar as regras, outros deixam que as mesmas regras possam estar no topo da venda de anúncios de empresas de catering…desde que sejam eles os beneficiários!

A vergonha maior é que se vai brincando com aquilo que nos devia fazer refletir: a morte e as condições de vida em que nos desenvolvemos. Há por aí muita gente que precisa duma terapia de humildade/humilhação, dado que, vivendo na superficialidade, vão-se entretendo a discutir fait-divers, que farão corar de pasmo quem ainda tenha algo que faça refletir sobre o essencial da existência…

Assim com tanta vulgaridade em tratar estes assuntos, quem não temerá pelo futuro deste país de brandos costumes e de canções de escárnio-e-de- maldizer? Esta é a nossa especialidade coletiva…escarnecer e ousar brincar com coisas muito sérias. Assim não a deixemos adormecer com conluios e jogadas de oportunismo!

 

António Sílvio Couto



sábado, 11 de novembro de 2017

Habilidades na tecnologia


Nos tempos que decorrem vemos surgirem continuamente mais e melhores tecnologias, umas suplantando outras, algumas recriadas das já existentes e bastantes inovadoras… Foi isso e muito mais que esteve em destaque esta semana na ‘Web summit’, que decorreu, em Lisboa, para gaudio de milhares e milhares de expertos na matéria…

Não é, essencialmente, sobre este evento que desejamos refletir. Dele se disse o suficiente para o acharem comparável à façanha dos descobrimentos dos séculos XV e XVI. Em edição desde 2009 – as cinco primeiras edições em Dublin, Irlanda do Norte e as duas últimas em Lisboa, tendo passado ainda por Londres – esta conferência de tecnologia global serve para aferir dos progressos e das perspetivas nesta área de atividade…cada vez mais abrangente.

Desejamos falar sobretudo dessa evolução do ‘homo sapiens’ para o ‘homo tecnologicus’, cujas capacidades tão fortemente vem influenciando a nossa vida, desde os pormenores mais simples e bizarros até aos mais complexos e sofisticados.

O domínio crescente da tecnologia tem vindo a favorecer a nossa vida. Mesmo sem nos darmos conta disso, vivemos rodeados de tecnologias, qual delas a que menos somos capazes de dominar, mas antes como que nos dominam, tanto na utilidade, quanto nas subtilezas com que somos confrontados, sabe-se lá, quase dominados…   

= Atendendo à virulência desta intensa etapa tecnológica da nossa condição humana, há questões que se podem/devem colocar, em ordem a não sermos meramente manipulados pela galopante evolução deste sector no contexto cultural, económico e social.  

* Não será que o uso intensivo da tecnologia estará a fazer diminuir as nossas capacidades pessoais?

* O uso/abuso da tecnologia não estará a fazermos menos inteligentes e menos livres, embora mais práticos e talvez eficientes?

* Por entre tantos artefactos tecnológicos – apresentados, pressupostos e induzidos – não se encobrirão uns tantos habilidosos sob a capa de esperteza e ensombrando os mais inteligentes?

* A intensa dependência dos meios de tecnologia – telemóveis, tablets, internet, redes sociais e tantos outros pretensos adereços úteis e de autopromoção – não estará a criar novos ‘drogados’ e dependentes egocêntricos, egoístas e hipocondríacos?

* A submissão a tantos dos meios da tecnologia não estará a criar novas dependências psíquico-emocionais que poderão interferir na evolução da capacidade humana de relacionamento entre todos?

* A tecnologia não se terá tornado uma finalidade nela mesma, em vez de ser só uma ferramenta criada pelas pessoas e colocada ao serviço delas?  

= Neste, como em tantos outros campos da atividade humana, nada é bom nem é mau, tudo depende do uso que lhe dermos ou soubermos dar. Assim, a tecnologia mais recente ligada ao domínio da comunicação global tem vindo a ser uma ferramenta que tem sido usada – tanto quanto se percebe – de forma humanista, com alguns casos nem sempre corroborados com esta visão mais ou menos otimista. Com efeito, há casos em que as tecnologias – poderá ser abusivo ainda usar a designação de ‘novas’, pois para muitos (os mais novos) são as únicas que conhecem – de comunicação podem ser usadas por mentes menos bem-intencionadas.

Em certos setores – sobretudo nos ligados à comunicação social… nas suas diversas vertentes – dá a impressão que tem vindo a ser usado em excesso a expressão – ‘contar uma história’ (e esta nem sempre será escrita nesta grafia, mas antes como ‘estória’, isto é, narrativa nem sempre verídica ou verificável) – na aceção de querer dizer algo que não seja menos atrativo e se torne mais aceitável… Ora, a tecnologia não poderá tender a subverter a apresentação das notícias, dos factos, dos acontecimentos, das situações, dos casos… mesmo que se revistam de roupagem dramática e menos light…

As habilidades da tecnologia não poderão ser colocadas ao serviço de outra coisa que não seja a verdade, mesmo que nua e crua, mas sempre verosímil… A tecnologia há de um instrumento da Verdade, sempre!    

 

António Sílvio Couto



quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Concelhos mais caros…


O valor médio por metro quadrado das casas situa-se, na maioria dos concelhos, em Portugal, neste momento, em 898 euros. Há, no entanto, quarenta e um municípios que registam valores de venda de habitação superiores a essa média. A parte mais significativa desses concelhos encontra-se na área metropolitana da capital – Lisboa, Cascais e Oeiras – e no Algarve – Loulé, Lagos, Albufeira, Lagoa, Tavira e Vila do Bispo. Em Lisboa concretamente o valor médio do custo das habitações situou-se em 2231 euros por metro quadro…

Se atendermos ao norte do país encontramos que Porto e Matosinhos, respetivamente com 1117 euros e 1035 euros por metro quadro, ultrapassam aquela barreira média nacional. Mas também noutros municípios tal fasquia é ultrapassada, como acontece na Nazaré, Coimbra, Esposende, Évora, Funchal, Ponta do Sol e Porto Santo… No interior – norte, centro e Alentejo – a maior parte dos preços nestes municípios não atinge claramente a média nacional… 

= A bolha do imobiliário está de volta e torna-se essencial perceber aonde vamos chegar, por forma a compreendermos que país somos e quais são as linhas com que nos cosemos…agora e no futuro.

Se tivermos em conta que todos merecem uma habitação condigna, teremos de questionar porque se tem vindo a verificar esta subida de mais de seis por cento em relação a período homólogo do ano passado e, segundo especialistas do sector, com tendência a manter a progressão especulativa em quatro ou cinco por cento nos próximos anos…  

= Será que o boom de turismo e do investimento estrangeiro poderão explicar esta nova vaga na área do imobiliário? Quem beneficia com este crescimento, serão os cidadãos ou os especuladores? Nas autarquias não se viverá muito desta ‘política’ de cimento – edificado ou a construir – em vez dos cuidados às populações? Quando vemos crescer esta tendência que tantos males já nos trouxe noutras épocas, onde se situa o bem-estar básico das populações? Com a prática de tais procedimentos não estaremos a promover um país ainda mais desequilibrado social e economicamente? 

= Por outro lado, foi noticiado recentemente, que, em média, por dia, cinco famílias são despejadas das suas casas, em grande parte por falta de pagamento das rendas. Este problema não pode ser ignorado, pois o direito à habitação é um dos mais básicos e essenciais da nossa condição humana.

Seria uma ofensa a quem estiver na situação de despejado que nada seja feito pela concretização desse direito na prática. Há por aí muita gente que fala da defesa deste direito, mas que depois não dá os passos necessários para que tal se concretize. Muitas das leis do arrendamento como que não deixam que os mais desfavorecidos possam ter a sua casa, antes dificultam esse objetivo que será o de cada um – pessoal e familiarmente – poder viver com dignidade numa habitação adequada. Só quem nunca tiver escutado os pedidos de ajuda para pagamento das rendas ou quem não tenha ajudado a atenuar essa contrariedade é que poderá não se deixar sensibilizar por tal problema humano e social…com grande atualidade. 

= A opção pelos bairros de habitação (dita) social foi um desastre na maior parte dos casos, criando mais problemas do que aqueles que pretendia resolver. Muitas pessoas foram como que amontoadas nesses ‘caixotes’ com gente lá dentro, juntando situações graves de relacionamento entre culturas e proveniências sociais, sem ter havido um processo pedagógico de inculturação e de mentalização mínima para a convivência. Não é por acaso que muitos dos conflitos até judiciais têm esses espaços como pano de fundo, pois muitas pessoas foram enjauladas depois de estarem à sua vontade em espaços rurais e de largueza em matéria de vizinhança. Por isso, ajuntadas um tanto à força e apregoando direitos sem deveres, foram como que as sementes para problemas entre pessoas que tiveram de aprender a estar próximas e desafiadas a condividir espaços e interesses… nem sempre reconhecidos e tolerados.

Todos merecem uma habitação onde se possam sentir bem… mas não será preciso ser tão cara!  

 

António Sílvio Couto



sábado, 4 de novembro de 2017

Questões de memória…ativa e agradecida


A vivência, por estes dias, da solenidade de Todos-os-Santos e a comemoração dos Fiéis Defuntos, traz-nos à memória momentos e situações, factos e pessoas, episódios e recordações para com aqueles que nos precederam na vida e na fé.

Na oração eucarística primeira (ou Cânone romano) do ordinário da missa rezamos: ‘lembrai-vos, Senhor, dos vossos servos e servas [N. N], que partiram antes de nós marcados com o sinal da fé e agora dormem o sono da paz’… e cada um recorda os nomes da sua lembrança, de quem faz memória ou sobre quem pede sufrágio.

Se há virtude que talvez ande mais arredada da conduta humana parece ser a da gratidão, pois, de muitas formas e por vários modos, vemos que o esquecimento é mais do que atroz, o não-reconhecimento dado a outrem (sobretudo não-vivo) é preocupante e a superficialidade para com quem temos pontos de dever são mais do que as ofensas todas juntas num ramalhete floral…barato e insignificante.

Há coisas que doem mais do que todos os outros achaques. Há esquecimentos que torturam mais do que qualquer outra forma de empobrecimento moral e cultural. Há resquícios de ruindade ética que perduram muito para além do tempo e das suas circunstâncias…  

Se já nem nesta época do ano lembramos quem nos ligam laços de sangue, de amizade ou mesmo de fé, estaremos a caminhar de forma perigosa para uma sociedade sem memória e sem história, sem capacidade de admiração e sem ligações afetivas mínimas, sem vivência dos factos grandiosos e sem que haja futuro dado que o passado foi renegado…

Se há quem viva excessivamente em volta do ‘culto dos cemitérios’, há, por seu turno, quem nunca deles de aproxime, como se com tal atitude conseguissem não terem de enfrentar tal realidade (ou alguma outra idêntica) de passagem da contingência embrionária para a declaração da mesma, através duma forma mais ou menos assumida… O equilíbrio – nisto como em tantas outras coisas da vida – é o melhor caminho e a forma mais salutar de ser normal e sobrenatural, isto é, de saber ver o que se vê com olhos, que ultrapassam as aparências, mesmo as mais funestas. 

= Desafios de santidade…contínua

Neste emaranhado de coisas da nossa vida, podemos e devemos perguntar sobre se há algum caminho simples (o que nem sempre quererá dizer fácil), exequível e progressivo desse grande desafio com que somos convidados a viver, esse de sermos santos. Antes de tudo será útil referir que não está vedado a ninguém e não há quem possa dele ser excluído só porque não pertence a uma determinada classe ou setor social, nível religioso ou etário, de instrução ou cultura.

O caminho da santidade – onde a questão da memória está presente e se torna essencial – passa pela santificação nas coisas simples do nosso dia-a-dia, isto é, nas tarefas mais ordinárias – no sentido de normais, vulgares, sem espalhafato – que compõem o nosso viver: aí onde tudo tem valor e é valorizado, onde cada pessoa é tida em conta e não é ultrapassada pelo telefonema de ocasião ou da urgência (quase) inútil, onde cada um se coloca com intensidade em tudo o que faz (como se possa ser a última vez que o realiza), onde cada aspeto diário ganha dimensão de eternidade, único e irrepetível…

Assim, qualquer que seja o esquecimento ou a não-memória torna-se algo de ofensivo, tanto para com quem não cuidamos, como para com quem não seja atendido pelas nossas ocupações mais ou menos importantes, mas, por vezes, são tão insignificantes e dispensáveis, que, um dia, haveremos de nos envergonhar por não termos dado a necessária atenção a quem precisava do nosso carinho, amizade e presença.

Pelo muito que recebemos daqueles que nos antecederam na vida, na história, na família e mesmo na fé, precisamos de ser gratos para com eles, não deixando esquecer a sua memória e tudo quanto nos faz ter neles reconhecimento, mérito e de lhes darmos continuidade…

Quando podemos viver isto de forma comunitária, os nossos antepassados têm mais significado e dão-nos força para sermos seus dignos continuadores… Temos heróis e santos, hoje como ontem!     

 

António Sílvio Couto